segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O ATOR NA NATUREZA: O reencontro do ser em si e o despertar do ator para novas potencialidades corporais. (Trabalho de Conclusão de Curso - Artes Cênicas - UFG - 2010)




UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS
CURSO DE ARTES CÊNICAS



DIOGO SANQUETA DE OLIVEIRA





    

O ATOR  NA NATUREZA:
O reencontro do ser em si e o despertar do ator para novas potencialidades corporais.




GOIÂNIA
2010




Trabalho de conclusão de curso, tendo como objetivo a aprovação no Curso de graduação em Artes Cênicas - Bacharelado, pela Escola de Música e Artes Cênicas  da Universidade Federal de Goiás, tendo como Orientador o                 Professor Dr° Alexandre Silva Nunes.


O ATOR NA NATUREZA:
O reencontro do ser em si e o despertar do ator para novas potencialidades corporais.

Monografia apresentada no curso de Bacharelado de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do grau  de Bacharel aprovado em ___ de dezembro de 2010, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:



          _____________________________________________________
Prof°. Dr° Alexandre Silva Nunes - UFG
Presidente da Banca

_____________________________________________________
        Profª Mestra Sabrina Cunha – IFB

_______________________________________________________
Profª Drº Valéria Maria Chaves Figueiredo  - UFG



Dedico esse trabalho a minha amada mãe, motivo de minha existência, ao meu querido pai, a minha irmã, que muito me apoiou com sua força e energia, ao meu afilhado Victor Hugo... meu eterno filho....  a dona Tânia Nasciutti e a Teresinha (Bibliotecária da E. E. Isolina França Soares Torres- Araguari-MG) amigas do coração que torceram desde a época do meu ensino fundamental por esta minha conquista.

Agradeço a Deus, fonte de equilíbrio e vida, aos meus grandes mestres: Valéria Figueiredo que me ensinou aconfiar em minhas intuições artísticas, Alexandre Nunes que respeitou meu tempo, e acreditou que eu seria capaz de cumprir com cada burocracia acadêmica, se tornou mais que um mestre, um grande amigo, Sabrina Cunha por me mostrar que a arte nasce da simplicidade, Valéria Braga, por me ajudar a esculpir meu tempo, minha vida, e que na arte tudo pode e deve se transformar  sempre que nosso desejo ansiar. A família Bispo que me acolheu inicialmente aqui em Goiânia, em especial a Edileuza, minha prima que me incentivou a prestar o vestibular em Goiânia, ao meu grande amigo Dickson Du-Arte, que muito influenciou minha arte singular. a todos amigos que se tornaram para mim família aqui em Goiânia, sendo eles Alessandra, Elfo ser mágico que me abre sempre portais infinitos, Taiom Tawera meu querido irmão de alma, meu humilde e sábio xamã, meu amigo de palco que muito contribuiu e embarcou nas minhas realizações artísticas, Renata Weber minha mãe, irmã, que desde o inicio da faculdade teve um cuidado especial comigo e que além de tudo compartilhou das minhas “loucuras” artísticas podendo ainda colaborar com seu  relato de experiência, Gerda Arianna, por sua singularidade indescritível e por compartilhar inúmeros momentos de vida e arte, Letícia Lemes, uma amiga para todas as horas, que muito é e significa na minha efêmera vida, muito me ensinou com seu jeito amável de ser, além de contribuir muito para realização da minha arte, colaborando ainda com seu relato de experiência, André Moura, por sua sincera amizade e por me ajudar com seu relato de experiência e com seu notbook para realização desta, Hyure “Vizinho”, amigo que muito contribuiu para a realização deste trabalho, ensinando que a vida não deve ser circular, por isso deixemos de lado o julgamento e nos abramos para a nova experiência,  Cléo por ocupar um espaço singular em minha vida sendo minha mãe por muito tempo..., Billy que me emprestou o seu notbook e a todos amigos de Minas, sendo eles, Rodrigo Ribeiro que sempre torceu para que meus sonhos se tornassem realidade, sendo sempre presente mesmo a distância, Fernanda Beatriz minha eterna ninfa e alma gêmea, Thiago Calegari companheiro até o nascer do sol, Eva e Gui, meus grandes amigos de todas as horas, Maluh Pereira e Luciana Vaz por aceitarem meu convite de montar um espetáculo, e doarem muito de si para a realização de um desejo que muito foi para mim, Lu minha irmãzinha violeta, que sempre me ajudou e torceu, enviando suas vibrações positivas, Caca meu louco, dyonisiaco e grande amigo, a minha amada madrinha Geni, ao meu vô José Cândido, a minha prima Luana Gabriela e a todos que torceram por mim nesta batalha...                   


...Eu sou  memória das águas...” (Maria Bethânia)


RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso se estabelece através de uma experiência que propõe o resgate do ser consigo, ou seja, o autoconhecimento do ser humano, através daquilo que o antecede na natureza. Nele, considera-se a ciência vigente de que setenta por cento do corpo humano é composto de água, assim como setenta por cento do planeta Terra é igualmente constituído por água. Ou seja, nós, nossa essência e nosso entorno são basicamente água. A água com a qual cotidianamente nos relacionamos, no meio urbano no qual passamos a maior parte de nosso tempo, sofre influências diretas da cultura, podendo estas influências possuírem aspectos negativos ou positivos, para nossa vida e para a vida do planeta. Por outro lado, precisamos desta água e sua energia para nutrir-mo-nos e equilibrarmos nosso corpo. Estas idéias são trabalhadas no presente estudo como imagens de referência para o desenvolvimento de experiências e reflexões artísticas que colaborem para o resgate de nossa energia original e para repensar formas de trabalho cênico corporal, considerando o equilíbrio entre homem e natureza.
Palavras-chave: Experiência, corpo, água, natureza

 SUMÁRIO

1-
INTRODUÇÃO

2-
O AFASTAMENTO DO SER EM SI E DA EXPERIÊNCIA

2.1-
A ÁGUA E A NATUREZA: PROPOSTA DE REENCONTRO DO SER CONSIGO

3-
O ATOR NA NATUREZA: O DESPERTAR DE NOVAS POTENCIALIDADES

3.1-
RELATOS E EXPERIÊNCIAS

4-
RASTROS NO CAMINHO

5-
MINHA MÃE MEUS PAIS- MINHA EXPERIÊNCIA “EM PERFORMANCE”

6-
CONCLUSÃO

6-
REFERÊNCIAS



Introdução

Desde criança, sempre tive uma ligação muito forte com a água e com a natureza. Sempre queria que minha mãe me levasse a praças, ou a um bosque que ainda sobrevive numa cidade do interior de Minas Gerais. O clima e a atmosfera destes lugares sempre me fascinaram, por ser frio e aconchegante. Por mim, passaria horas nestes lugares sem desejar voltar para casa. Gostava muito de subir nas árvores, esconder-me em meio àquelas imensas galhas, ou até mesmo no chão, camuflar-me atrás dos troncos de algumas grandes árvores, colher flores e presentear minha amada mãe. Lembro-me que em minha infância, em quase todas as minhas brincadeiras com os amigos, eu queria que tivesse água, dava um jeito de improvisar alguma cachoeira com a mangueira, ou um chafariz com um chuveiro velho colocado no chão e virado pra cima. Aquilo me despertava um bem estar e uma felicidade inexplicável, todos corriam e passavam no meio daquela água com uma imensa alegria, energia e vigor. Ríamos muito, aquele momento era uma experiência, não tínhamos preocupações, ansiedades, queríamos simplesmente viver aquele tempo que era presente, fazer dele infinito. Mas esta realidade foi mudando com o passar dos anos, percebi que infelizmente perdemos à medida que crescemos, este tempo, não conseguimos esculpi-lo a nossas necessidades, entramos num tempo imposto que nos afasta de nós mesmos. Um tempo criado para produzirmos  bens e lucro, o que despreza todo tipo de relação e sentimento.
Tempos se passam e essa paixão pela natureza e pela água, pulsa demasiadamente por todo meu corpo. Tenho uma necessidade de sempre ter contato com cachoeiras, lagos, mato, paisagens naturais. Estes momentos e encontros me trazem uma experiência: posso viver , respirar, sentir, criar meu tempo. Na natureza não há egos, egoísmos, Gaia está completamente “escancarada” para receber e doar. Tem seu tempo, mas acolhe e compartilha do tempo de quem ali se faz presente. Neste meio, sinto-me mais leve, revigorado, renovado, realizado. Cada vez que mergulho numa cachoeira, ou num lago, ou finco meus pés na terra, aquilo que de alguma forma pesava sobre mim, fica para trás, a água, a terra, e toda natureza, trazem soluções para meu corpo ser e agir. Percebo-o se expandindo, parece um novo corpo, ele se torna mais leve e sem “restrições”. Ele fica disposto a novos movimentos, forças, energias, assumindo novas formas, sente a necessidade de dialogar com cada elemento que percebe. Ele se deixa conduzir por cada gota que lhe toca, cada elemento que o olhar se fixa, a cada folha seca que seguindo seu percurso natural, correnteza abaixo, toca-o. Ele se expande de tal forma, perdendo suas ansiedade e cristalizações, o que naturalmente cria um diálogo com aquele meio. Surgem memórias, imagens.
Tempos vem, tempos vão, até que decido ingressar numa Faculdade de artes, onde meu desejo de infância vem sem dúvida influenciar minha arte e meus trabalhos artísticos, dentro e fora da Universidade. Meu primeiro trabalho, já no primeiro semestre da faculdade, foi  levar água e terra para o palco, onde os dois elementos se misturavam e transformavam em lama, texturizando assim meu corpo, na encenação de “Valsa nº 06 de Nelson Rodrigues”, uma ousada e intuitiva concepção cênica.
Logo em seguida a este trabalho, no segundo semestre deste mesmo ano, levei novamente estes elementos para fora da sala de aula (um campo gramado), onde me apaixonei por esta experiência e comecei a levar minhas performances, sempre que podia, para ambientes da natureza. Estes lugares além de criarem uma atmosfera diferente dos teatros fechados, percebi que influenciavam de forma diferenciada meu corpo, e o público. Meu corpo reverberava uma nova força e novos movimentos, com cada elemento que o tocava. Ao público, era apresentada uma linguagem e imagem viva e pulsante do mundo moderno em meio ao esquecimento daquilo que o antecede: a natureza. Percebo então, com esta experiência, que a natureza influencia o público e mais ainda a corporeidade do ator. Em contato com um meio diferente, o corpo naturalmente vai reagir a ele, o que despertará novas potencialidades de acordo com cada meio que o corpo seja exposto. E se pensarmos que a maior parte do nosso tempo, condicionamos nosso corpo à energia da urbanização, o caminho oposto a este meio (e que podemos propor como nova experiência)  seria o reencontro com a natureza, origem e essência do homem.
O ser humano, assim como o planeta Terra, é formado por setenta por cento de água, ou seja, somos basicamente água e nossa essência é água. Não adianta fugirmos ou negarmos a total influência deste elemento em nossas vidas como fonte vital. E a realidade é que quanto mais o tempo passa, mais esta água sofre com o descuido e a influência negativa do homem, o que a está tornando, cada vez mais insalubre. Na maior parte da humanidade, não se tem ainda a consciência de que quem sofre os danos somos nós, pois somos ela. E se o homem morre, consigo leva a arte e consequentemente o teatro.
Em minha pesquisa, questiono o afastamento do ser desta sua essência, a água, e a falta de cuidado com ela. Experiencio o reencontro do ser, voltando-me para as fontes mais naturais e menos tocadas pelo homem, que seriam as cachoeiras, córregos e lagos, que ainda sobrevivem com a forte energia positiva da mãe natureza.
Na natureza, o homem se conhece, e assim a arte toma maior dimensão, o ator descobre uma nova realidade e o teatro passa a confirmar sua multiplicidade de linguagens enquanto arte. O ser conhecendo-se consegue transformar a energia que em si habita. Estando em equilíbrio, consegue entrar em ressonância com a natureza e se apropriar se suas forças, energias e formas. O que reverberará em seu corpo “arte”, novas potencialidades. Dando origem a “novos corpos” e movimentos.
  

 2- O AFASTAMENTO DO SER EM SI E DA EXPERIÊNCIA


            Dias se passam, e em mim carrego um desejo inexplicável... tenho sede de brotar, de renascer.... Uma angústia demasiada envolve meu ser, que clama por vida. Sinto-me desfalecer a cada dia, sinto-me sufocado por um meio que me reprime, me limita. Obriga-me a cumprir ordens, convenções, afastando-me cada vez mais de mim, do tempo, da experiência... e da singularidade de minha arte... Sinto minha arte se esvaziando a cada instante... pedindo socorro... Falta-me tempo para ser... cobram-me ter... O ter... ah o ter... o  ter  como todos sabem, vai-se muito efemeramente... sempre. E o que nos resta  é a esperança, o desejo de que em algum momento, possamos realmente ser, existir, experienciar a vida. Poder senti-la se possível em sua quase total dimensão, com todas as suas possibilidades e sem dúvida alguma como porta infinita para nossa arte.
            Quando olho a minha volta, percebo o quanto o homem tem se afastado de sua essência, de suas origens, das relações com o mundo e com as pessoas a sua volta. Não se tem mais tempo. Os tempos atuais caminham de forma acelerada, vivemos numa sociedade que tende a limitar nosso tempo de sentir e pensar, além de bloquear nosso senso crítico e questionador. Uma sociedade que nos solicita entrar em seu ritmo e dificulta-nos contato singular com a experiência da vida. Para criar/instaurar um tempo-lugar para este tipo de experiência, é preciso que haja tempo exatamente para o experimentar, o estabelecimento de relação (sentir, pensar, contemplar) com as coisas que passam por nós e com os fatos que atravessam nossas vidas.
            Esta falta de experiência, ou o curto tempo para gerá-las, cristaliza nossas potencialidades, e nossa essência, fazendo de nós “cadáveres animados”. Como observa o educador Jorge Larrosa Bondía, o experimentar solicita de nós uma interrupção no ciclo cotidiano de repetições, capaz de permitir novos olhares para aquilo que nos é apresentado. A experiência requer tempo para dar e receber, sem interrupção do fluxo  natural da vida:
“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar nos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço”. (BONDÌA, 2002, p.24)

Ou, como afirma Medeiros:

“A temporalidade da modernidade, não é a da experiência, do conhecimento, da felicidade. Ela é institucionalmente organizada- o que corresponde a um encolhimento do “ espaço da experiência” (MEDEIROS, MONTEIRO, MATSUMOTO, 2007, p. 11)


No livro “O Verdadeiro Poder da Água”, o cientista  Masaru Emoto relata um fato muito interessante acerca da experiência, quando relembra de uma entrevista que a senhora Kazue Kato, deu no seu aniversário de 100 anos. Kazue é uma japonesa que viveu até 104 anos, muito conhecida no Japão, por atuar na política do país e defender a libertação das mulheres. Ela se tornou o primeiro membro do sexo feminino no Congresso Nacional japonês, na primeira eleição realizada pós segunda guerra mundial. Muito contribuiu para a promoção da condição social das mulheres no Japão. Na entrevista  lhe perguntaram “qual era o segredo de sua longevidade?”, e ela respondeu: “ Eu tenho 10 experiências por dia que tocam meu coração. Esse é o segredo da minha longevidade”. (2007, p. 137)
Como podemos perceber, na resposta de Kazue, a experiência é indispensável para quem quer viver bem e garantir a qualidade de vida. O nosso retrato atual é que dias se passam, e o homem não atenta a interromper o tempo imposto, buscando ter um tempo para si. Busca incessantemente caminhos que o auxiliem, na maior parte das vezes, no crescimento financeiro, perante uma sociedade geradora de imposições vazias. Perde a percepção de que estes caminhos algumas vezes o afastam das relações, das experiências e de sua própria essência. Toda relação, passa a se dar de forma superficial, simplesmente para cumprir obrigações perante uma sociedade, onde tudo e todos se tornam mera mercadoria. O valor humano é tristemente esquecido. O mundo à nossa volta se degrada. Nossos ares são contaminados sem nenhum pesar, nossa natureza é envenenada e destruída para dar lugar a mais e mais fontes de renda.  Isto gera um distanciamento da realidade original para uma realidade artificial insalubre. O ser humano em meio a esta realidade se fecha a qualquer outra realidade, cristalizando assim seus sentidos, percepções, relações e experiência. Na verdade, ele constrói outro mundo com suas próprias mãos. Cria um “complexo de Deus”, onde age como se fosse Deus, dando vida a inúmeras tecnologias e ciências, pensando ter domínio e conhecimento sobre tudo. Acredita não haver limites para suas pretensões, e o que se vê é o reflexo ameaçador e destrutivo, que compromete o destino de todo planeta Terra.
O limite humano é explicitamente confirmado, basta observamos algumas tecnologias, como o mundo virtual, que leva o ser humano a qualquer lugar do mundo, simplesmente sentado na frente de uma quadrada e fria  tela de computador. Percebe-se aí o descuido com as coisas e com as pessoas. O afastamento do corpo, da real experiência da relação. Do sentir, por exemplo, a temperatura do sol, da brisa fresca da noite, de ver as cores e as paisagens do mundo lá fora. Não se permite entrar em contato com a natureza, colocar os pés na terra, sujar as mãos escalando árvores, escutar o canto dos pássaros, ou o som das águas correntes. “O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato e do contato humano”. (BOFF, 1999, p.11). O homem deixou de lado sua vida original para assumir uma vida solitária. Enquanto sua “casa comum”, a Terra, a natureza, cai no esquecimento, e no descuido, sendo destruída a cada momento, de forma exacerbada e impiedosa. Não conseguimos, sequer, reconhecer que somos nós os causadores deste cenário deplorável, e que na verdade somos nós mesmos os destruídos desta lamentável realidade. Muito se fala de preservação, de cuidado com a natureza, e com seus mais variados biomas. Mas as ações que se vêem, são muito menores do que é necessário para se reconstituir o mundo.
O homem como percebemos, por inúmeros motivos esqueceu de suas origens, de sua essência, do respeito e cuidado para com o próximo e para com o mundo que o antecedeu, da sua espiritualidade. Espiritualidade esta que as religiões em si parecem não conseguir mais reencontrar. Como analisa Boff, essa espiritualidade que nos reconecta com a realidade pulsante da vida, significa:

“ser fonte do sentido transcendente para o conjunto da sociedade... Ela pode seguramente revitalizar uma dimensão da existência, o espaço institucional do sagrado e reforçar o seu poder histórico-social. Mas não necessariamente gesta um modo de ser mais solidário e compassivo... Ao “complexo de Deus mencionado anteriormente, devemos propor “o nascimento de Deus” dentro de cada pessoa e da história da humanidade, e sua epifania ao universo”. (BOFF, 1999, p.21).

Qual seria o caminho a se tomar, para que o estreitamento das relações e da atual crise pudesse, de forma sutil, equilibrar-se e voltar a seguir seu fluxo natural? Boff, analisou a questão e observou que há quem sugira o “reforço da moral e a contensão dos costumes”, e há quem sugira o reforço da educação. Como observa o teólogo, entretanto, “Todas estas propostas, por sugestivas que sejam, não vão à raiz da questão essencial”. (1999, p. 22). Suas sugestões apontam, dentre outras coisas, para aquilo que estou advogando nesta monografia: o autoconhecimento. Seguindo a esteira de Boff, podemos sugerir que, nos conhecendo e reconhecendo, descobrimos nossas potencialidades, que nos auxiliam a melhor lidarmos com as multiplicidades de situações com as quais nos deparamos dia a dia. Conhecendo a nós mesmos, também podemos condicionar nosso corpo e nossa mente a reagir ao fluxo natural e coletivo que a vida segue, desde sua gênese. Deste modo, somos levados a perceber que nos afastamos do fluxo natural porque nos afastamos de nós mesmos, porque somos natureza: perdemos nossa essência, deixamos de saber o que realmente é necessário para existir; limitamos nosso tempo à obtenção do ter, deixamos mais uma vez de lado a experiência, algo essencial para que a relação do homem se faça de forma mais plena, abrindo espaço para o cuidado de si e do outro e para o respeito.
A natureza, fonte vital do ser humano, por alguns esquecida, anseia pelo reencontro, na esperança de um diálogo e de experiências que mudem o pensar e agir do homem. Que este possa reconhecer-se como pedaço dela e comece a cuidar de si, para que o equilíbrio homem/natureza se restabeleça.
Assim como venho questionando a relação do homem com a natureza, é também preciso compreender que vida e a arte também não se desassociam. Uma se reconhece e se completa na outra. Devemos cuidar de nós para que nossa arte floresça, possibilitando que nosso corpo possa dançar, “assim como uma flor nasce sem pedir licença”. (OHNO apud BAIOCCHI, 1995, p.22) Frase que Ohno diz, fazendo relação com a metáfora da flor, segundo a poética cênica de Zeami.
Percebo como artista/pesquisador, o quanto alguns artistas em determinados momentos colocam o teatro numa posição limitada, limitação esta que não se faz regra,  mas que também não pode ser negada. Na arte, assim como na vida, não há limites, e se estes surgem, podem ser ultrapassados. E também é importante refazer o diálogo entre arte e vida, uma relação que permita a ambas seguir um fluxo que também permita refazer o diálogo entre ator e público.
 É perceptível no universo artístico, assim como na vida cotidiana, o quanto se cria quase que instintivamente algumas cristalizações, causando uma interrupção do fluxo natural de nossa arte. A experiência, uma realidade tão distante na vida cotidiana, reflete também na arte. O acelerado tempo limita as possibilidades dos encontros, das descobertas. Onde tudo na verdade deveria se misturar e se transformar em novas linguagens e potencialidades.
Interromper o ciclo cotidiano acelerado e abrir um olhar pra si é necessário. Precisamos articular nosso tempo/espaço de forma que nossa arte brote naturalmente pelo nosso corpo, tornando nossos movimentos mais orgânicos e significativos, por maior que seja nossa subjetividade e poética singular. Esta relação proporcionará ao ator e ao seu trabalho mais um acontecimento/experiência, do que, propriamente uma representação conforme o princípio da performance (COHEN, 2007). Conhecendo-nos, temos mais confiança e coragem para mergulharmos em múltiplas experiências, de forma a deixar que estas acrescentem e reverberem em nosso repertório corporal e emocional, e também possibilitem o surgimento de novas poéticas e estéticas. Ampliando e proporcionando ainda uma relação mais íntegra e cuidadosa consigo e com o público que recebe toda vibração enviada pelo ator e sua encenação.
  


2.1-A ÁGUA E A NATUREZA: PROPOSTA DE REENCONTRO DO SER CONSIGO

Como sabemos, o corpo humano adulto é constituído por 70% de água. Também o planeta Terra é constituído por 70% de água e 30% de terra. Estas informações confirmam que a maior parte do ser humano, e do planeta, são formados pelo elemento água. O que poucos sabem, embora possam intuir, é o poder que a água exerce sobre cada ser existente na face da Terra. Porque se ela constitui a maior parte do nosso corpo, nós podemos julgar que basicamente passamos a ser água.
Quando está sendo gerado no ventre da mãe, o embrião humano é ainda mais composto por água: 96% do óvulo fertilizado é água. E ao nascerem, os bebês são constituídos por 80% de água. Mas à medida que vamos crescendo, e chegamos à idade adulta, esta porcentagem vai diminuindo, até se estabilizar em torno de 70%. Ou seja, desde o início de nossa concepção, nós somos água. Nossa essência e origem é água. O que significa que o afastamento de nós mesmos está ligado aos descuidos com a água (do planeta) que somos.
Trabalhando performaticamente, encontrei caminhos que me levaram a formas de encantamento pessoal, artístico e poético pela água e pela natureza, que também me levaram a ter certeza de que, para vivermos bem, devemos cuidar e preservar a pouca água que ainda nos resta. Em busca de conhecimentos e maiores informações que pudessem sustentar meu desejo artístico, e de alguma forma referências científicas, que dessem mais consistência a minha pesquisa, tive acesso ao livro “O verdadeiro poder da água” do cientista Masaru Emoto, anteriormente citado. Emoto estabelece uma valiosa colaboração entre dados científicos e poéticos, que  nos revelam o grande poder da água, que somos. Os estudos de Emoto  me fascinaram, renovando-me o ânimo para confirmar as influências que a água exerce em nossa vida e em nosso corpo. Observa Emoto que, por sermos basicamente água, modificamos nossa corporeidade, de acordo com as vibrações que a água recebe do meio em que se encontra.
Masaru Emoto nasceu em Yokohama, Japão, em julho de 1943 e é formado em ciências humanas pela Universidade Municipal de Yokohama e pela Open Internacional University. Em 1986, ele fundou a International Hado Membership (IHM) Corporation, em Tóquio. Em outubro de 1992, recebeu da Open International University um certificado em Medicina Alternativa. Posteriormente, estudou os conceitos de “água em microclusters”, nos Estados Unidos, e tecnologia de Análise de Ressonância Magnética. Assim começou sua busca da descoberta dos mistérios da água (EMOTO, 2007).
Em seu livro, Emoto afirma que foi apenas aos 43 anos de idade, que descobriu as maravilhas e mistérios da água. Trabalhava no comércio exterior, quando colegas de trabalho lhe apresentaram um tipo de água que, como milagre, lhe curou de uma dor no pé. Este acontecimento o fascinou, levando-o a estudos mais aprofundados sobre a água. Com o passar do tempo, convenceu-se da idéia de que a água tem a capacidade de absorver informações. Mas ele não se refere a informações que recebemos quando lemos jornal, ouvimos o rádio ou assistimos a TV. Ele se refere a “a fatores externos que afetam a mente e o corpo. Por exemplo, quando contempla uma paisagem bonita, você sente paz. Quando ouve uma bela música, sente o coração mais leve” (2007, p. 07). Assim, explica que usa o termo informação “para designar todos os fatores externos que afetam o corpo e a mente” (2007, p.08)
Passado muitos anos pesquisando, chegou à conclusão “de que a qualidade da água muda de acordo com as informações que ela absorve” (2007, p. 08). O que nos leva a entender que a qualidade da água muda conforme a influência externa que ela recebe do meio em que se encontra. Nosso corpo, sendo 70% água, naturalmente poderá se transformar, de acordo com cada informação que receber. Nesta pesquisa busco explorar as múltiplas potencialidades corporais, advindas de experiências com a água, capazes de reverberar novas formas, forças e energias. Pois as informações que recebemos e os meios nos quais podemos levar nosso corpo são infinitos.
As descobertas de Masaru, inicialmente não foram bem aceitas pela comunidade científica. O que o levou a procurar provas mais sólidas para suas teorias. A forma com a qual investigaria a água começou após abrir por acaso um livro que “afirmava que ao longo de milhões de anos nunca existiram dois flocos de neve idênticos” (2007, p. 08). Esta afirmação para ele não era nenhuma novidade, mas o que parecia tão banal o fez palpitar o coração: surge daí a idéia de congelar a água e examinar os cristais formados. Imediatamente aproveitou que sua empresa de comércio exterior tinha contratado o pesquisador Kazuija Ishibashi, doutor em Ciências Aplicadas, formado pela Universidade Kumamoto e que fazia análises através de microscópio, para iniciar sua investigação sobre a água. Logo providenciou um microscópio de alta precisão pedindo ao pesquisador Ishibashi que fotografasse os cristais. Inicialmente a proposta foi recebida com “ar de indagação”, afirmando que pelo seu conhecimento e experiência na área, não conseguiria fotografar os cristais.  Masaru insistiu, afirmando que conseguiriam.
Assim, deu-se início ao experimento de congelar a água e fotografar os cristais. Durante dois meses, Ishibashi dedicou-se a este trabalho que, durante muito tempo, não logrou qualquer tipo de êxito. Passados cerca de os dois meses de trabalho e expectativa, conseguiram finalmente tirar uma foto de um cristal de gelo hexagonal Ishibashi, que inicialmente não acreditava ser possível fotografar os cristais, com o tempo se contagiou pela persistência e entusiasmo de Masaru, e passou a confiar neste trabalho. O que Masaru acredita ter sido a causa da água ter mostrado seu belo formato, afirmando: “Se a nossa intenção fosse ganhar dinheiro, eu não acho que a água teria respondido aos nossos anseios e formado cristais” (2007, p. 15)...
Quando publicou suas descobertas sobre a água no livro “Hado no Shinri” (A verdade sobre a flutuação ondulatória), em 1994, surpreendeu-se com a recepção e admiração com que as pessoas receberam suas ideias, que julgava já terem sido pensadas anteriormente por outras pessoas. A partir daí, continua fotografando cristais, ao longo de cinco anos seguintes, e aprofunda suas investigações sobre a água, publicando alguns livros e participando de importantes encontros por todo o mundo, fazendo palestras sobre suas descobertas sobre a água e suas reações frente a informações e vibrações de energia (Hado).
            Masaru e Ishibashi em continuidade com suas pesquisas perceberam, que algumas das águas congeladas, não formavam nenhum cristal. Perceberam então que essas reações poderiam estar associadas à qualidade da água que examinavam. Continuavam a fotografar e perceberam que água de torneira não formava cristais e sim, formas grotescas, diferente da água natural, não tratada, que formava belos cristais.
            Água natural pode ser entendida como a água que não sofreu influência humana:

“Definitivamente, nós, seres humanos, já contaminamos o ar. Na nossa atmosfera água forma nuvens e cai na terra em forma de chuva. Depois que a chuva atinge a superfície, ela é absorvida pela terra e também a contamina. Portanto, nesses termos, não existe água na Terra que já não tenha sofrido a influência  do homem.” (2007, p.17)

Se ampliarmos esta idéia de água natural, e se melhor pensarmos a respeito, podemos perceber que o homem também se distanciou de sua origem natural. Não existe ser humano na Terra que já não tenha sofrido a influência do próprio homem e do mundo, regras, convenções e energias criadas por ele. Assim, percebo e assumo a importância de aprendermos com a influência da natureza sobre nós, algo que antecede o tempo, o desejo e a pretensão do homem. A natureza supre nossa essência e existência, pois somos ela ou boa parte dela. Indo de encontro com nossa essência, nos redescobrimos, possibilitando novas experiências, o que é de tamanha importância para o ser e para o artista (de modo integrado e complementar).
O que se pode entender, segundo Masaru, por água natural “é água que brota da Terra depois que a água das chuvas foi filtrada pela mãe Terra”. (2007, p.17). A partir daí, Masaru e Ishibashi começam a colher amostras de água de torneiras de várias cidades do Japão, Ásia, Europa e Brasil. E as águas de torneiras da maior parte não formavam cristais, mas as de Vancouver, no Canadá, Buenos Aires, na Argentina, e Manaus, no Brasil, formaram belos cristais. E há justificativa, pois essas cidades estão localizadas próximas de fontes de água natural. Essas pesquisas foram feitas a alguns anos atrás, por isso os pesquisadores não podem afirmar que a qualidade continua a mesma, com o passar dos anos.
Algo que Masaru, em suas investigações, temia, e se que confirmou após verificarem algumas águas minerais do Japão e outras importadas dos Estados Unidos, da França e do Canadá, é que estas águas também foram contaminadas pela mão humana. Dois componentes químicos foram encontrados: formaldeído e acetaldeído, sendo que “estudos epidemiológicos indicam que o formaldeído é cancerígeno... e testes com animais comprovaram que o acetaldeído também é cancerígeno”. (2007, p. 21). Estas informações foram  divulgadas no Jornal Mainichi em 20 de Abril de 2003.
Estas diferenças na qualidade das águas são importantes de serem apresentadas, para que tenhamos consciência e conhecimento de que a água pura está diminuindo e nós somos os responsáveis por isso. E esse descuido reverbera automaticamente em nossas ações e em nosso corpo, em nossa mente. Somos água, e o descuido para com os mananciais de água, nos afasta de nós, e prejudica unicamente a nós mesmos.
Isso se torna mais claro e possível de ser entendido, quando Masaru lança a hipótese “de que a água produz diferentes tipos de cristal de gelo, dependendo da informação que recebe” (2007, p.22). E ele confirma esta hipótese, quando coloca água em dois frascos. Em um deles coloca um rótulo com a palavra “ Obrigado” e em outro frasco um rótulo com a expressão “Seu Idiota”, sendo a água de ambos os frascos da mesma fonte.
Sua hipótese foi confirmada. O frasco com a palavra “Obrigado” formou belos cristais hexagonais, e o frasco com a palavra “Idiota”, formou alguns fragmentos de cristais, não dando origem a nenhuma bela imagem (conf. Imagens acima). Conseguindo este resultado com a água exposta a palavras, pode-se ampliar esta idéia, tendo em mente que as pessoas poderiam ser mais felizes, de acordo com a qualidade da água que consomem, sendo que esta se modifica de acordo com a palavra ou vibração que recebe do meio. E lembrando que também somos água, fica mais claro que nosso corpo se modifica o tempo inteiro, pois a todo o momento recebemos interferência dos meios em que nos encontramos, das pessoas e de nós mesmos.
Em continuidade às experiências com a água, e suas modificações frente a palavras, experimentaram colocar palavras opostas como paz/guerra, muito bem/nada bom, entre outras, sendo que as positivas formavam belos cristais e as negativas não formavam cristais, aparentemente desconfiguravam-se. Palavras eram escritas em vários idiomas e comprovaram que elas reagiam de modo bem parecido, como se a água pudesse entender a essência das palavras. Um dos cristais considerado por Masaru o mais belo que já vira, foi a água exposta as palavras “amor e gratidão”.
  Os cristais levam em torno de dois minutos para se formarem e desaparecer, um processo semelhante ao desabrochar das flores. Masaru compara este processo como a preciosidade da vida. Somos crianças e crescemos para sermos adulto, “depois da maturidade, o seu corpo entra em decadência e morre. Sem sombra de dúvida, a água reflete a própria vida” (2007, p.26). O motivo esclarecido por Masaru destes belos cristais se formarem, é que a água também possui uma sensibilidade a um tipo de energia sutil, chamada Hado, que também altera sua qualidade, refletindo na formação ou não dos cristais.
Num dos livros de Masaru “The Hidden Messages in Water” (Mensagens Ocultas na Água), o Hado foi traduzido como “flutuação ondulatória”, já no livro “O Verdadeiro Poder da Água”, ele faz uso desta palavra “para designar toda energia sutil que existe no universo” (2007, p.30).
Tudo que nos cerca e gira ao nosso redor, possui uma vibração ou Hado, podendo ser positiva ou negativa. E se transmite para tudo. As palavras colocadas no rótulo, carregam consigo seu próprio Hado, fazendo com que a água absorva essa vibração e forme cristais, de acordo com a informação recebida daquela palavra. Ou seja, foi observado que perante palavras positivas, a água formava belos cristais, contrária das palavras negativas que fazia com que os cristais se deformassem.
No corpo, se conseguirmos equilibrá-lo com palavras positivas, sendo água garantimos nossa qualidade de vida e nossa saúde, pois “o Hado é o que determina a resposta da água à informação” (2007, p.31).
Com equipamentos medidores de Hado, Masaru e Ishibashi verificaram que os alimentos também produzem Hado, e são modificados de acordo com a forma que são preparados e com a energia de quem prepara. Podemos assim chegar à conclusão de que tudo existente na Terra carrega consigo uma energia, e que em contato com outras energias pode se modificar.
Para ficar mais claro esse conceito de Hado, que Masaru utiliza, ele nos coloca o exemplo do diapasão. Se você pega dois diapasões tendo a mesma freqüência de 440 Hz e um terceiro diapasão de 442 Hz, se você bater com um martelo de borracha em um dos de 440 Hz, o outro de 440 Hz que tem a mesma freqüência, ira ressoar com vibração do outro. O que não acontecerá com o diapasão de 442 Hz.
Com essa explicação, ele nos faz entender que Hado é energia, e que se duas coisas tem a mesma freqüência, elas entrarão em ressonância. Isso amplia-se para nós na condição humana. Se conseguirmos produzir nosso próprio Hado, outras coisas com Hado semelhante poderão entrar em ressonância conosco, ou o contrário, também poderemos entrar em ressonância com outras pessoas ou coisas que vibram na mesma ou semelhante frequência:

“Tudo tem uma vibração intrínseca. Tudo mesmo, desde as moléculas que são compostas de átomos, até as partículas subatômicas que compõem os átomos. Em outras palavras, toda partícula subatômica tem uma vibração intrínseca. A nossa mente e o nosso corpo são afetados pelo tipo de vibração intrínseca com a qual entramos em ressonância” (2007, p. 31).

O estado no qual nos encontramos, nossos humores, tensões, são alterados pelo Hado que recebemos, e podem ser alterados pelo Hado que irradia por cada micro partícula do nosso próprio corpo. Somos influência e influenciados pelo Hado que nos rodeia, e podemos dialogar com “Hados” que estiverem na mesma freqüência. Se pararmos para pensar, e levarmos esta referência para o teatro, e na relação existente entre ator e público, podemos observar que o espetáculo comunica de alguma forma, se a sintonia entre o ator e o público flui e estes conseguem entrar numa mesma freqüência. Ou se falarmos de ator e dos elementos componentes de uma cena, a freqüência deve ser a mesma, para que haja diálogo. Se o ator trabalha energias positivas, conscientizando e recepcionando as vibrações dos elementos da cena e do público, ocorrerá um diálogo e o teatro cumprirá seu papel de criar relação e propor uma experiência.
Segundo a ecologia profunda, fortemente representada, no Brasil, pelo teólogo e filósofo Leonardo Boff, tudo é natureza, porém uma parte desta natureza e/foi transformada, ou seja, “Tudo” é natureza. Nós somos natureza, ou água transformada e multifacetada. Também podemos estabelecer relação entre esta noção da ecologia profunda e a milenar narrativa bíblica. Encontramos nela, momentos nos quais podemos nos ver como água e transformadores dela. Jesus e Moisés possui um grande equilíbrio de si, por isso consegue em vários momentos confirmar que entra em ressonância com a água, tendo aparentemente domínio sobre ela. Por exemplo, Jesus transforma a água em vinho (João 2. 1-12), anda pelas águas (João 6. 16-21), diz  que quem tiver sede pode ir a ele, pois do interior do ser, manará água viva  (João 7. 37-38) simbolizando a renovação do ser, e Moisés abre o mar vermelho (Exodo 14. 15-25).
A água aí assume o papel de elemento transformador do ser, do corpo, e podemos visualizar, pela poética apresentada, que, se somos água, podemos modificá-la, transformá-la, manipulá-la. O que Jesus traz de ensinamento, nestes capítulos, é o autoconhecimento e o respeito pelo ser e pela vida. Neste instante, aproveito para fazer um paralelo com o ser humano. Se nos reconhecermos enquanto água, poderemos ser modificados a cada meio por que passamos, tudo em nós se transformará e abrirá portas para o surgimento de novas possibilidades e energias corporais. Como somos água, natureza transformada, fica claro entender que quanto mais vivemos em meios urbanos, mais perdemos de nossas relações originais, em meio a uma cultura mantida sob inflações do ego. Na natureza, essa relação pode ser diferente, se quem estiver se relacionando com ela, estiver despido de qualquer pretensão egóica e vibrações negativas. Deste modo, a natureza estará sempre pronta para acolher-nos, respeitar-nos e dialogar conosco.
Na primeira parte deste capítulo abordei o afastamento do ser em si, ou seja, o afastamento do ser em relação a sua própria essência; e a influência da cultura, que afeta a sanidade e a energia do ser, com base nas pesquisas de. Emoto as quais diagnosticaram que utensílios que irradiam ondas eletromagnéticas podem ser os causadores de perturbações e desequilíbrio na terra e no homem, pois modificam e alteram o Hado de forma negativa.
Através de testes, colocando frascos de água próximos a aparelhos de celular, TV e computador, obtiveram-se efeitos terríveis, nos quais a água não formou nenhum cristal. O que foi possível observar foi apenas “formas circulares destituídas de qualquer beleza” (2007, p.115). Como passamos a maior parte do nosso tempo em meio a estes aparelhos que liberam ondas eletromagnéticas, nosso Hado é certamente alterado e perturbado por elas. O que Masaru sugere, é que como não podemos negar a realidade, e a necessidade que passamos a ter destes utensílios, devemos usar nossa energia para modificar ou neutralizar as vibrações lançadas por estes utensílios. Em outros testes, os pesquisadores colocaram num frasco com água as palavras “amor e gratidão”, e colocaram de volta próximos aos utensílios citados anteriormente. O que testemunharam foi a formação de belíssimos cristais. A força e energia das palavras “amor e gratidão” foi capaz de neutralizar quase que por completo a energia lançada pelos utensílios. Realmente percebemos o quanto somos responsáveis por tudo existente na Terra.
Testes com imagens, sons dentre outras informações positivas foram realizados, e o resultado esperado foi confirmado, todas as informações positivas resultaram em belos cristais. “Já expusemos a água ao maior numero possível de informações positivas, palavras bonitas, belas paisagens e boas musicas, para fotografar os cristais. Todos eles ficaram muito bonitos” (2007, p.104).
Partindo então dessa idéia do Hado como energia, e que nós somos água, sugiro estarmos mais atentos a nossa essência e vida e a tudo que pronunciamos. Pois ingerimos aquilo que compõe a maior parte do nosso corpo, e toda energia contida nessa água reverbera por toda extensão corpórea. Através da água, modificamos tudo existente em nós e a nossa volta. Por isso, o cuidado com a fonte de nossa vida, e o que lançamos nela quando a consumimos deve ser pensado.
Somos responsáveis mais que pela nossa vida. Somos responsáveis por toda vida existente sobre a terra. Respeitando, cuidando e conhecendo a água, estaremos respeitando, cuidando e conhecendo a si e ao próximo. E reconheceremos que somos parte de um todo maior: “Dar atenção à vida é um modo de irradiar energia... quando damos atenção a vida, ela recebe energia de que precisa para tomar uma direção melhor” (2007, p.98).
Como atores, podemos usar todas as ferramentas possíveis para buscar uma forma mais natural e verdadeira de atuar. Se conhecer é o caminho de se transformar, de despertar novas potencialidades. Na natureza, nosso tempo é recuperado e podemos olhar para nós, pois somente conhecendo é que podemos saber o que existe para em seguida modificar.


3- O ATOR NA NATUREZA: O DESPERTAR DE NOVAS POTENCIALIDADES

Após lembrar de alguns trabalhos que já realizei, dentro e fora da Universidade, dentre outras observações feitas em outros grupos de teatro, dei-me conta de que  a maior parte dos treinamentos e criação dos atores, e as próprias apresentações, acontecem em estúdios. Algo que limita o ator de experienciar outros espaços, energias, sentimentos, elementos e potencialidades psicofísicas, repassando para o público também estas novas experiências.
            Posso afirmar, após ter dito uma experiência desta mudança do meio, que realmente meu corpo redescobriu-se, ampliou-se para novas potencialidades. Esta experiência deu-se no final de 2007, como bolsista do projeto de extensão e cultura “Universidade em Cena”, do curso de Artes Cênicas - UFG, projeto este que propõe o estabelecimento de relações estéticas entre os alunos-artistas do curso de artes cênicas e a comunidade interna e externa da UFG. Relações estas que se apoiam em criações artísticas independentes dos alunos, bem como em espetáculos ligados a disciplinas ou pesquisas desenvolvidas no curso. Este projeto tem como desafio estimular os alunos a expandir seus trabalhos para além dos muros da universidade, aprofundando suas pesquisas e possibilitando que elas venham a tomar novos rumos de investigação, tornando-as mais consistentes. O projeto propõe para a comunidade a singularidade que a arte pode trazer para o individuo, provocando-o para que venha a refletir e criticar a si e ao mundo que o rodeia. O projeto também possibilita a apresentação da multiplicidade de linguagens que o teatro possibilita em nossos tempos atuais.
O início de minhas pesquisas deu-se com minha vontade de experimentar algumas intuições acerca do corpo do ator na natureza. Tive o apoio inicial da professora Valéria Figueiredo, que tinha interesse em me orientar num projeto de pesquisa. Como tivemos alguns imprevistos a professora Valéria não pôde me orientar e indicou o professor e coordenador do curso Alexandre Nunes para fazer isso, através de um projeto de extensão que ele estaria abrindo. Nesta época surge o projeto “Universidade em Cena”, no qual atuei como bolsista PROBEC e PROVEC ao longo de três anos, e onde organizei um grupo de atores e propus fazermos algumas performances no gramado em frente à Escola de Música e Artes Cênicas. Criei performances que dialogavam com elementos da natureza, e foi neste momento que tive a oportunidade de experienciar algo fundamental, para dar rumo, anos depois, a esta pesquisa, e certificar a importância do revezamento dos meios de trabalho que o ator atua, que foi a criação e atuação da performance “Da partida nasce flores”.[1]     
A partida era representada com um corpo que dançava em meio a lama, simbolizando a maior de todas as partidas: a morte, e em meio a esta dança, em determinado momento, eram jogadas  flores, que simbolizava a alegria e o recomeço.   Em meio a estes elementos naturais, terra, água, e flores, percebi uma nova experiência corporal muito diferente das  anteriores, que quase sempre se davam em palcos ou em locais urbanos. Percebi neste contato com o novo palco (um campo gramado) a relação primeira do homem: a natureza, e que meu corpo, num momento de estranhamento  com este  novo  meio (natural/natureza), era obrigado a romper suas convenções e a sair da sua zona de conforto, para interagir com aqueles novos elementos, dando aos meus movimentos mais organicidade e multiplicidades. Percebi uma sintonia com o lugar, conseguimos dialogar e entrar em ressonância. Meu corpo rapidamente criava uma intimidade com aqueles elementos, dando origem a novos movimentos. Minha dança tomava novas formas, seguia a melodia vinda de cada elemento que meu corpo tocava, a qualidade dos movimentos, peso, equilíbrio e velocidade fundiam-se de forma inusitada; meu corpo reverberava uma nova vida. Transformamos em só corpo... eu estava de volta a terra, a água, éramos uma só energia, não havia mais distinção dos corpos. O que o público presenciava era diferenças materiais que se fundiam formando um corpo comum, um corpo lama.   
            Dentro do projeto, neste mesmo ano, co-criei também a performance Rogai por Ela, onde uma performer sentada em um banco, fincava seus pés na terra e rezava incessantemente por uma outra performer que desejava o suicídio, afogando seu rosto numa bacia de alumínio cheia de água  A relação novamente com os elementos água e terra foram presentes e o público pôde testemunhar belíssimas imagens flutuantes, onde o corpo das performers embebidos com aqueles elementos, provocavam um estranhamento entre o humano destituído de qualquer equilíbrio, perante tanta angustia imposta pelo mundo criado pelo homem. A natureza surge aparentemente como morte, mas na verdade se transforma em vida. Pois a performer não consegue cumprir o ato do suicídio. Em seguida, a esta parte do capítulo, será possível acompanhar o relato das experiências das atrizes participantes desta performance e de outras apresentadas em outros momentos do projeto, que de alguma forma mantiveram relação com a natureza, e ajudaram a ampliar nossa visão sobre o quanto é positiva esta mudança de meio no trabalho do ator.
            No ano seguinte a esta primeira experiência com a natureza, tive também a oportunidade de cursar o núcleo livre de performance, com a professora Sabrina Cunha, que durante a disciplina, em um dos seus trabalhos práticos, nos levou para fazer um trabalho de transformação, no meio de um dos bosques da Universidade. Este exercício muito me marcou. A professora pediu para que pudéssemos dar início ao trabalho, tirarmos os sapatos e observássemos alguma árvore que, de alguma forma, comunicava-se com nossos desejos. Após escolhê-la deveríamos nos aproximar dela e sentir sua energia, antes de tocá-la. Em seguida nos afastávamos novamente e tornávamos a observá-la. Depois deveríamos nos aproximar e tocá-la, pedindo licença e com simplicidade tentar reproduzi-la com nosso corpo, através da energia recebida dela, ou entrar em ressonância com aquela energia e forma e ser ela, se juntar a ela, fazer parte dela. Enquanto tudo isso contecia, ela pronunciava aos meus ouvidos um canto mágico, no qual penetrava em cada micro partícula do meu corpo e me fazia entrar em sintonia com aquela árvore e conseguir reproduzir no meu corpo cada partícula daquela árvore, através da força, energia e forma que meus olhos avistava.
            Num outro momento, a professora pediu para que déssemos uma volta pela faculdade e encontrássemos um lugar/espaço no qual criássemos um diálogo e criasse uma relação corporal com este lugar/espaço. Meu lugar escolhido foi um curral. No qual me relacionava com as várias separações (obstáculos) que ele tinha, por um extenso corredor estreito de madeira. Cada obstáculo que eu passava, perdia uma peça de roupa. No último obstáculo, perdia minha última peça de roupa que era a cueca e saía correndo por uma estrada de terra. Minha intenção era mostrar a vida. Algo simples e sutil. Que na vida, quando fazemos uma escolha, temos vários obstáculos, e que perdemos neles pedaços de nós, às vezes nos machucamos, nos ferimos, mas devemos prosseguir até o fim, não desistindo de cumprir nossos desejos. Cada momento que passava por entre os obstáculos, a terra misturada com fezes de vaca, afinal era um curral, tocava meu corpo deixando uma textura corporal e um incômodo que criava quase que instintivamente a vontade de ficar livre daquele lugar. Isso reverberava formas singulares de atravessar cada obstáculo, criava uma energia e também um odor, que criava uma atmosfera na cena. Não tinha nojo, tive uma entrega incondicional aquela cena, tudo passou a fazer parte do meu corpo, que criava uma imagem humana animal para quem via aquela cena, ou uma condição animal que o homem assume sem perceber no seu dia a dia, pela sua ganância, egoísmo e pretensão.
            A partir destas experiências, pulsou em mim o desejo de buscar um caminho diferente destes meios atuais de práticas teatrais, onde possa haver um revesamento destes meios, para proporcionar ao ator, outros caminhos no qual possam se redescobrir corporalmente. O desejo de descobrir novas possibilidades, em que o ator possa se libertar das convenções herdadas por estes meios e se abrir e experienciar novas potencialidades.
            A experiência que proponho e investigo é o contato artístico com a natureza, que foi minha primeira mudança de ambiente, e desde já o oposto à dos estúdios, e que reverberou de forma positiva em meu corpo e em meus trabalho de ator. A natureza, propõe automaticamente uma quebra do ciclo vicioso, do tempo, no qual a repetição do cotidiano  nos marca de uma forma as vezes  radical, deixando em nós cristalizações que nos impede de alcançar novas potencialidades enquanto atores criadores. Além disso, é pertinente lembrar, que como apresento no primeiro capítulo, esta proposta nos faz resgatar, a relação primeira do homem, que foi com a natureza, e por sinal, uma relação entre iguais, na qual não há hierarquias e sim uma troca.
            Na natureza, podemos encontrar uma multiplicidade de elementos, como várias árvores, folhagens, pedras, troncos, cipós, terra, água. E em meio a esta multiplicidade de elementos, conseguimos vislumbrar um corpo comum. Há um diálogo entre cada corpo, e de acordo com que cada corpo toca o outro, o outro de sensibiliza e se preciso cria novas formas abrindo espaço para que o outro siga seu fluxo natural. Há a todo momento uma troca, e estes assumem várias formas para que o fluxo de cada um não seja interrompido.
            Em contato com esta realidade, podemos reconhecer o quanto interrompemos constantemente o fluxo natural de nosso corpo, o impossibilitando de assumir novas formas, força e energia. Em contato com a natureza, podemos reconhecer nosso corpo como múltiplo, e como fluxo constante e interrupto, Olhar para cada imagem que a natureza oferece, cada cor, cada som, nosso corpo dialoga sem fazer muito esforço. Só temos que ouvir, sentir, enxergar, não negar o que nos passa. Superar a ansiedade que o tempo e o meio urbano nos impregnam. Ao olharmos para a água, e vermos nossa imagem refletida, percebemos que somos ela, e que podemos assumir toda e qualquer forma que desejarmos. Sua sensibilidade desperta emoções, sensações, o corpo naturalmente reage e busca formas de comunicar com aquele meio, o que naturalmente rompe com nossas cristalizações, abrindo caminhos para a descoberta de novas potencialidades, desde corporais a novas estéticas de encenação. Podendo criar atmosferas, cenários e elementos de cena com elementos da natureza. O que trará vida e nova proposta para o teatro convencional e para o público, testemunha deste acontecimento.


3.1-RELATOS E EXPERIÊNCIAS

Relato da Performer Renata Weber (Estudante do último ano do curso de artes cênicas- UFG) das cenas “Espelho de Vênus” e “Rogai por ela”

O elemento que fez parte das duas experiências minhas foi a água, duas experiências completamente diferentes, começando pela escolha do espaço cênico.
A primeira, sem um título próprio, já que compunha junto com outras cenas um espetáculo, foi criada e experimentada no palco italiano, com todos os recursos que o edifício teatral oferece.
A cena era composta por dois focos de luz, em cada foco, uma atriz e uma bacia d’água, na primeira bacia a água pura, limpa, na segunda a água era tingida de vermelho para simbolizar o sangue.
A água estava posta ali para que banhássemos nela o filho que acabará de nascer, o momento mágico do primeiro banho de um bebê. As mães representavam os sentimentos opostos por conseqüência do nascimento que acabara de acontecer; o amor e o encantamento do parto de uma mulher que verdadeiramente deseja o que esta pó vir e a outra mulher sem conseguir admitir a chegada do novo ser gerado por ela.
O elemento água nessa cena foi utilizado em momentos distintos com finalidades distintas: 1) no primeiro momento a água banhava o corpo da personagem preparando-a para o parto. 2) no segundo momento participou ativamente a cena, como que se transformasse em um personagem, recebendo o feto. 3) e no fim banha o corpo do bebê.
As cenas acontecem simultaneamente, destacando a forma amorosa com que a primeira mãe realizava a ação e a forma cruel com que a segunda maltratava o que seria seu filho.
Nessa cena em particular a água auxiliava na formação de imagens, quando molhava o corpo, a face, os cabelos, a água escorria pelas minhas formas me dando a estética do suor advindo da excessiva transpiração que um parto normal provoca.
Além de deixar o palco do teatro com pequenas poças de água nas quais a luz dos spot’s refletia, dando um brilho, uma atmosfera mágica, mesmo que artificial a cena.
O segundo contato com a água veio na performance Rogai por ela, essa por sua vez foi encenada ao ar livre, na maioria das vezes sobre a terra ou grama.
Neste caso a água se “objetificava” e o efeito estético produzido, era conseqüência d ação repetida que constituía a cena. Eu não manipulava mais a água, não a trazia até mim, eu é que, agora, me direcionava a ela em busca da liberdade.
Era a água que tiraria a vida da personagem, dando a ela a paz que o falso moralismo tanto lhe negava. Se a água, na primeira cena, trazia à vida, agora ela era responsável por tirá-la de alguém.
Mas os efeitos da moral estavam tão arraigados que a personagem se frustrava a cada tentativa, com a cabeça submersa na água e a falta de ar nos pulmões reverberava a inquietude de um corpo já sem vida, sem vida não no sentido literal, mas sim referente à falta completa de tonicidade física.
A água que molhava o chão a cada desistência da personagem, se misturava a terra e a grama e manchavam o vestido brando, sujavam a moram daquela jovem que por vezes tenta o suicídio, ao final de cada tentativa mais uma marca se prende ao corpo dela, no fim, vestido encontra-se imundo, tanto quanto sua moral frente à sociedade.
Como o teto a cima de nós era o próprio céu, experimentei duas situações distintas: na primeira o sol forte (sol do meio dia) em contato direto com a água que estava em uma bacia de alumínio, o fazia ferver e a pele delicada do rosto ruborizava-se e até levemente feria-se com a temperatura, causando arrepios no corpo.
Em outra situação pequenas gotas de chuva caíram sobre a cena deixando por sua vez a água mais sedosa e delicada, o contato com ela era quase que um carinho nas bochechas.




Relato do ator André Moura (estudante do segundo ano do curso de artes cênicas-UFG) da cena Reino da Pedra Fina

            No segundo semestre de 2009 dentro da disciplina oficina do espetáculo, que é uma disciplina prático-teórica, e que neste ano foi ministrada pelos professores Kleber Damaso e Natássia Garcia, se deu inicio a construção de uma cena/performance, para montarmos para um espetáculo coletivo entre os alunos. A partir de uma experimentação de idéias e alguns diálogos, me juntei a mais três colegas de turma (Allan Santana, Larissa Sisterolli e Mariana Peixoto) para fazer uma pesquisa sobre diversos assuntos que compõe a formação de religiões afros  e seus sincretismo religiosos.
            As primeiras manifestações que fizemos, depois de termos explorado alguns assuntos ligados a terreiros, os canoeiros e sua sobrevivência junto ao mar, a sereia e emfim os traços que compõem toda uma caracterização de uma ritualidade existente em um Brasil de todos os santos, ritmos e movimentos. Foi apresentada no teatro da Escola de Música e Artes Cênicas- EMAC, e logo em seguida descobrimos e chegamos a um consenso que a cena não foi criada e também não cabia dentro de um espaço de concreto.
            Apresentamos a nossa cena que se fez parte do espetáculo Gosto do espelho d' água, no ii FUGA- Festival Universitário de Artes Cênicas de Goiás, e o espaço onde se foi apresentado (Martim cerêre), era um local aberto, com algumas arvores, mas mesmo assim sentimos e pensamos na necessidade de que a própria cena pedia a sua liberdade para estar em seu verdadeiro lugar... A natureza.
            A convite do bolsista/aluno do Universidade em cena, Diogo Sanquetta, que nos chamou para participar de uma apresentação no Entardecena, que foi um projeto dentro do Universidade em Cena, que tinha a proposta de fazer ceans ao entardecer, em lugares externos da Unversidade, onde o público pudesse ter diversos olhares sobre o por-do-sol. Nesta proposta, nos apropriamos ao lado/dentro de um bosque, que por si só, já trazia uma verdadeira energia repleta de verde e vida. O espaço em que nos transportamos foi totalmente mágico, uma verdadeira alquimia de uma transformação e reesignificação de um estado para  outro. Sentimos a diferença e a reverberação que o lugar e as suas forças proporcionava aos nossos corpos e sentidos. Um dos personagens em que eu estava estava trabalhando (Onça Divina), senti que naquele momento de descoberta eu realmente o tivesse intrego para a verdadeira forma de ser, para a sua vida na “selva”. A nossa contemplação se fez em quase todos os sentidos/sentimentos, o canto do pássaro, o balanço da arvore com o vento, as folhas e galhos no chão, despertavam e acionavam instimulos internos, que trazia uma sensação de descobertas para os personagems que em tempos atrás esteviveram pressos em  lugares que nunca lhes perteceram.
            Este caminho e no momento da apresentação descobrimos um monte de signos e, dentro deles, contemplamos determinados lugares do nosso próprio corpo. Um dos elementos que se fez presente na minha vivência e que de alguma forma tive que superar foi o medo. Ao entrar no bosque, e com os traços já estabelecidos  do “meu” personagem pensei em começar a cena descendo de cima de uma arvore, senti um pânico tremendo por cobra, um medo que me fez em primeiro momento sair correndo da bosque.  Depois em um ato ritualistico pedi licença pra mata, para entrar e fazer o que teria que ser feito e tudo que ela guardava para nós que estavámos ali para celebrar e saldar as suas forças. Quando consegui subir em cima da arvore, com o apóio de um cipo tive sensações tão agradáveis que trouxeram uma fluição bem maior para o trabalho. Parecia que já fazia aquilo há tempos, e tudo foi uma questão de vencer o medo e sentir todo o fluxo de energia que se fazia naquele momento, apenas contemplar o silêncio.
            Em cena, sempre tinhamos a participação e a intervenção em tudo que fazíamos ao nos movimentarmos, pisar nas folhas secas, um canto de um pássaro, o entardecer com a chegada da noite. Todos estes ritmos externos servirão/trouxeram condições para regularizarmos o nosso ritmo interno, que a cada dia deixamos nos influenciar com as diversas ansiedades que carregamos nos nossos dia-dia, dentro das grandes cidades e todas as fumaças, medos, insônia e estresses. Destaco também o poder que a palavra teve em nossas ações, escorrendo por todo o corpo, a palavra trazia gestos e músicas. Criamos praticamente um novo texto a partir de cada palavras que estava enraizada em nós mesmos, elas já nos acompanhava desde sempre, sendo preciso apenas respirar para que tudo brotasse e fluísse “normalmente” dentro daquele espaço.
            O caminho para se chegar até a nossa cena/performance se fez de uma forma etinerante, pois o publico já havia acompanhado outras performances em espaços diferentes. E esta fragmentação das performances transformou em uma energia todo este espaço, cada um de nós (atores/atrizes) pode descobrir dentro do seu intimo aquilo que lhe pertence, como ator, e como vida, pois nada  se separa. Parecido com a natureza que cria uma simbiose perfeita com o mundo, e assim estamos neste embrião de sentimentos que se cria a arte.
Relato da Performer Letícia Lemes (Estudante do último ano do curso de artes cênicas- UFG) da performance “Um olhar para o ventre da Terra”

Desde pequena tenho uma ligação muito forte com a natureza, dessa forma sempre tive muito respeito por ela, pois acredito que ela sempre fez parte de nós, é parte integral do ser humano. Assim sendo, em tal performance tive a oportunidade de ter contato direto com uma das representações da natureza que mais me encanta: A terra e a flor.
Antes da primeira apresentação tive a preparação feita pelo Diogo Sanquetta, o qual idealizou toda a performance. A primeira preparação foi feita em um formato ritualístico, com música, ações predeterminadas e incenso. Esse formato deu um ar de concentração ao treinamento, tornando a atmosfera mais propícia a um bom “ensaio”.
Foram feitos abdominais, flexões e várias outras formas para obter a resistência corporal. Todo o treinamento foi feito com o auxílio de música, o que pessoalmente me ajuda como atriz, tanto na concentração quanto no processo criativo de partitura corporal.
Foi trabalhado também, a sustentação do encaixe do quadril (cochí) durante todo o exercício. Foi utilizado um bastão grande que foi colocado verticalmente na linha da coluna, onde foi segurado com uma das mãos na altura da cabeça e a outra na altura do quadril, encostando dessa forma o bastão na coluna. Com ele foram feitos vários movimentos corporais a partir da música, depois que eu consegui ter a consciência da linha reta nas vértebras o bastão foi abandonado, dessa forma os movimentos foram continuados.
O processo foi tão intenso que tive a sensação que a música fazia parte de mim, que eu e ela éramos uma só, mesmo que, ainda, não estávamos em espaço natural, de forma que o treinamento foi feito em estúdio.
Já no segundo treinamento Sanquetta fez algumas demarcações para a performance, já com a flor, que no caso era um girassol, trabalhando o lento e a resistência. Como eu não estava conseguindo fazer as demarcações com êxito, pois, segundo Sanquetta, eu e flor não éramos uma só, como era a proposta, ele pediu para que eu ficasse em frente ao espelho e criasse uma relação com ela. Essa parte também foi feita com o auxílio da música, consegui criar a relação com ela quando a observei como parte de mim, sendo parte de mim ela também era eu. Olhei-a como um ser humano, com defeitos, mas nem por isso feia, e assim a amei, por que ela era eu. O objetivo do exercício foi alcançado com êxito, pois, segundo Sanquetta, a performance se efetivou como foi proposto.
No dia da apresentação tive contato com a terra, o que até então não havia acontecido.  Apesar de ter esse contato apenas no dia da apresentação, a terra como sugador de energias negativas, trouxe paz à performance (o termo paz está no sentido de trazer fluência aos movimentos da performance) trocando energia com meu corpo, o qual estava buscando o enraizamento com a mesma. Essa era uma tentativa de transformar meu corpo a flor, que estava em minhas mãos, e a terra em um só corpo, objetivo que foi efetivamente alcançado. O início da apresentação não tem o acompanhamento da música, como o auxílio da música me deixa mais segura fiquei um pouco apreensiva, mas a terra me deu segurança pra execução inicial da performance, pois minha relação com a terra era de ventre e feto, eu o feto e ela o ventre, sendo eu criança estava segura nos braços de minha mãe. Quando a música se iniciou a atmosfera se modificou e a performance teve um crescente, meu estado de concentração aumentou e minha relação com a terra e a flor  também.
Em outra apresentação da performance o espaço se modificou completamente, agora realizei parte dela em cima de uma escada de madeira. Apesar de eu ter feito sem o acompanhamento da música, tive o auxílio de outras formas da natureza, o vento, o sol e a grama, tais figuras também conseguiram me levar ao estado concentração elevado. Também não tive contato direto com o chão no decorrer de toda a apresentação, pois iniciei tal performance na grama, mas subi para as escadas iniciando minha dança pessoal no topo dela, dessa forma fui descendo um degrau de cada vez, nesse momento (“sem o chão”) o vento foi um elemento importantíssimo para a atmosfera da apresentação, pois criei uma dança com ele.
              


4- RASTROS NO CAMINHO
              Logo que desejei investigar a relação homem/ator com a água e a natureza, acreditei que poderia fazer um panorama, por alguns artistas que de alguma forma entraram em ressonância com meu desejo e rastros deixaram na minha arte. Além de suas obras de alguma forma reverberarem em meu corpo, poética e estética artística, me despertaram também o desejo de levar meu trabalho artístico para a natureza ou trazê-la de alguma forma para meus trabalhos em estúdios, ou palcos convencionais. Artistas que muito contribuíram para minha arte singular e para minha atual pesquisa. Sei que existem ainda outros artistas que também de alguma forma trazem em seus trabalhos esta proposta, mas não vejo pertinência em falar sobre eles, devido não ter tido uma experiência com seus trabalhos. Percebi num primeiro momento, que estes artistas que dialogaram comigo de alguma forma, não explicitam ou justificam a escolha por realizar alguns de seus trabalhos em meio a natureza ou o porque de levarem alguns elementos da natureza para cena. Mas investigando, foi possível registrar alguns momentos em que falam da natureza como ciclo vital e da necessidade fundamental do contato do artista com este meio. Observo que a natureza aparece como treinamento e como elemento de cena.                                    O meu primeiro contato com esta poética da natureza foi com a dança-teatro de Pina Bausch, após ver alguns vídeos na internet e fotos no livro “Pina Bausch”, de Fabio Cypriano, pude perceber o uso de elementos da natureza em cena, em diálogo com seus dançarinos atores. Relato seu espetáculo Vollmond, onde o elemento água se faz presente e apresento fotografias de outros espetáculos, onde é possível observar e apreciar outros elementos da natureza, colocados em cena.                                                                                           No espetáculo Vollmond, o elemento água aparece inicialmente  como chuva, e a medida que cai ocupa o palco e forma um lago ou o mar. Do lado direito do palco tem uma grande pedra, o que aparenta ser uma praia. Os bailarinos dançam com seus repetitivos movimentos e dialogam com a água. Vivenciam junto ao público o contato com este elemento que influencia na tonicidade e peso dos seus corpos e dos movimentos, quando se arrastam pelo chão cheio de água, ou quando saltam de cima da pedra, ou quando arrastam as cadeiras pela água. Vivem uma liberdade tamanha, se divertem em meio aquela água que praticamente ocupa todo palco. Trajam roupas sociais, que nos abre a reflexão entre sociedade e a essência humana, através da diversão que praticam naquele universo natural levado para o palco. Além de propor ao público um clima e uma atmosfera úmida, que com certeza reverbera de forma singular e significativa em cada pessoa ali presente na platéia.                                                                                                                                Abaixo apresento três fotos de espetáculos, onde Pina Bausch leva também a água e elementos da natureza, como flores para compor sua encenação. Estes elementos para mim, além de criar uma proposta estética, desperta em quem vê uma ligação original com aqueles elementos. Que estamos tão acostumados a vê-los em outros lugares e as vezes passamos desapercebidos. Além de possibilitar inúmeras singularidades poéticas.

            Figura 14- Lutz Forster no espetáculo Cravos-1982 (CYPRIANO, 2005, p.64)

Figura 15- Andrey Berezin em Um jogo triste-1994 (CYPRIANO, 2005, p.73)
         Figura 16- Regina Advento em O limpador de vidraças-1997 (CYPRIANO, 2005, p.76)
            Outro contato com a natureza, que tive e muito me marcou, foi com a dança butoh,   onde pude encontrar uma grande influência da natureza em suas práticas, e até mesmo conhecer duas praticantes. Minha professora Sabrina Cunha, na qual citei no capítulo anterior que me apresentou Maura Baiocchi, através de textos sobre butoh em algumas de suas aulas.
            O butoh é uma dança que não busca conceituar-se. Pois qualquer conceituação correria o risco de realmente não transmitir algo que abranja sua total dimensão enquanto    proposta artística. Dentro de alguns livros, artigos e sites visitados, é possível descrever um pouco da história e da proposta do butoh. Esta dança surge de uma crise de identidade que marcou o Japão num período pós segunda guerra mundial, na década de 60, com Tatsumi Hijikata e em seguida por Kazuo Ohno, onde ambos são considerados percussores desta dança. Hijikata, foi o percussor da face sombria desta dança, logo que em seguida Ohno busca a luz além das trevas em sua dança. Esta dança veio para quebrar alguns padrões e convenções artísticas da época, e também contra o esquema tradicional da dança,  não  buscava  movimentos   ideológicos ou  políticos,  sofre  grande influência  do expressionismo Alemão. Hijikata e Ohno, ambos considerados os pais desta dança, estavam impregnados pelas paisagens e pelas forças da natureza, por terem ambos vindo do campo. O butoh não tem como proposta criar convenções coreográficas, e sim rompê-las de forma com que o corpo reaja aquilo que é essência, ampliando os horizontes do pensamento sobre a real condição do homem  enquanto ser universal. Trabalha ainda para uma libertação e expansão das consciências. O butoh é uma dança, mas que não se desvincula do teatro, pois é uma expressão cênica, e também é performance, pois trabalha com a arte do improviso e do acontecimento em tempo real. “ O butoh traz em si uma conotação multicultural” (BAIOCCHI,1995,p.89)
O butoh é como a vida sendo gerada no ventre materno. A energia e os mecanismos da vida e do butoh são os mesmos. O mundo do butoh deve ser aquele do ventre materno. (…) As origens do butoh estão em uma terra selvagem habitada por espíritos elementares, que a mente racional não pode alcançar” (BAIOCCHI, 1995,p.18)
            É possível estabelecer de forma mais clara, a relação do butoh com a natureza, quando Baiocchi escreve em seu livro “Butoh: Dança Veredas D'Alma”
Os elementos básicos da vida- terra, fogo, ar, água-, imagens da natureza como tempestade, vento, luz do sol, etc, eram usados  para inspirar formas que iam sendo classificados na tentativa de desenvolver um método e uma técnica coreográfica e diretiva (BAIOCCHI, 1995, p.33)
           
            Esta mesmo idéia ou pensamento butoísta é confirmada também, com uma publicação de João Roberto de Souza para o Jornal Dança Brasil:
O butoh recupera a vitalidade e a força do corpo, de um espaço, de um corpo domesticado pelas atividades cotidianas e esmagado pelas regras estabelecidas. O desenho de cada gesto é simbólico. Ele estimula ideias, associações e emoções tramando uma visibilidade: As intensidades, os afetos que atravessam os corpos, a música, os movimentos, são expressos através dos gestos. O corpo é o veículo de expressão dos elementos vitais: terra, água, fogo e ar (SOUZA, 19/06/2010)

            É possível perceber desde o surgimento desta dança, que a experiência e realidade do homem se materializa no corpo, ou seja, a arte materializada é simplesmente a experiência do ser com os elementos naturais que o antecede, e com o resgate de suas origens e realidade, o que podemos fazer ponte com o homem e a água. O ser e sua essência. Identifico na experiência de Baiocchi com o butoh, em específico quando descreve em seu livro, um momento de seu trabalho prático com Ohno, algo que ao meu ver, cria esta proposta de interrupção ao qual proponho, não específico de quebra de espaço, ou do meio de trabalho, mais das  convenções sejam elas quais forem, o que expande minha sugestão, do qual acredito ser um princípio para que realmente ocorra uma transformação corporal. Sobre este pensamento ela diz:

Pressupõe uma enorme disposição para uma “faxina” mental e espiritual. Para realizar o verdadeiro encontro com o butoh ou a dança, em seu estado mais puro, é necessário em primeiro livrar-se de todas as formas preestabelecidas por si mesmo, ou impostas por outrem (BAIOCCHI, 1995, p.47-48)


            O que eu acrescentaria ainda uma “faxina” corporal (momento em que devemos retirar o que é velho, cristalizado de nosso corpo, deixando limpo, branco ou vazio para que novas potencialidades brotem naturalmente seguindo sua necessidade e desejo, para que haja um encontro do ator com sua essência e dança), completando a “tríade corpo, mente e espírito”.
            A performer e atriz Maura Baiocchi, é brasileira e atualmente  dedica-se à sua companhia Taanteatro. Em 2009, durante o FUGA (Festival Universitário de Artes Cênicas de Goiás), onde eu era monitor, pude ter um contato direto com Baiocchi e com seu trabalho. Trouxe para o Festival  fragmentos de seu espetáculo Frida Callo, e juntamente com Wolfgann, que dirige juntamente com ela a Companhia Taanteatro, propuseram uma palestra e diálogos sobre seus respectivos trabalhos na companhia e os métodos desenvolvidos por eles, como preparação de performers. Durante o festival pude ter alguns momentos de diálogos com ambos e pude esclarecer algumas dúvidas sobre o trabalho que desenvolvem, e particularmente realizar um desejo, que era de conhecer Baiocchi e algum trabalho seu. Neste mesmo momento, fui presenteado com o Livro “Taanteatro: teatro coreográfico de tensões”, onde pude conhecer alguns exercícios proposto pela companhia que são realizados no meio da natureza. Ou seja, a natureza como treinamento de atores e criação artística também. Neste livro apresentam como proposta, esta mudança de meio no trabalho do ator, acreditando que a mudança  poderá  ampliar  a  pentamusculatura[2]  do  ator  e  também  servirá  como libertação da mente e do corpo, da energia e influência dos locais cotidianamente utilizado em suas criações.

Junto ao trabalho ou treinamento fechado em um estúdio, é extremamente importante nos jogarmos na existência e na natureza por vocação, com todas as nossas musculaturas visíveis e invisíveis. Assim não só ganhamos tônus, mas a vida também e por tabela, o público. (BAIOCCHI, PANNEK, 2007, p.142)

            Ao analisar as propostas da companhia, encontrei  três  dos exercícios propostos, que por registros de fotografias no livro, é possível visualizar este contato do corpo com a natureza, onde os descrevo a seguir, apresentando também fotografias para que sejamos testemunhas da existência desta experiência e proposta da influênicia das forças e energias da natureza na prepararação do ator e de suas criações.
            Primeiro podemos conhecer um pouco sobre a Mandala de energia corporal: que é uma prática de criação, que serve de veículo para tonificar, harmonizar e expandir a pentamusculatura com prazer e lucidez. Este processo conduz os atores em exercícios de respiração, alongamento, flexibilidade, intra-tensões, visualização, improvisação e as práticas do olho interior (ou terceiro olho) e dos sons do corpo.
            Esta prática proporciona aos praticantes, uma maior disposição psicofísica, no qual os libertam  para n ovos movimentos corporais, diminuindo  suas ansiedades  e  emoções
cotidianas. Quem pratica esta mandala, torna-se mais confiante em sua capacidade criativa e na dos outros que participam a sua volta, expandindo assim sua percepção corporal.
            Em seguida, temos a a Caminhada: que é uma proposta de deslocamento pelo espaço, onde se cria um percurso de ir e vir, estando atento a forma lenta de deslocar-se. Assim envolvidos com o mover-se lentamente, irão conseguir obter uma maior concentração e o controle das ansiedades, devem ainda atentar-se para como o corpo reage aos afetos que vão surgindo. Esta caminhada dura entre 30 a 40 minutos, e também pode ser realizada em estúdio.
            E em terceiro, temos o Rito de passagem:

O rito de passagem é uma forma de cerimônia coletiva de caráter parateatral que intensifica processo psicofísicoa de reflexão, com a finalidade de iniciar ou realizar a passagem de uma situação ou vivência conhecida por outra nova e atual. (…) Um rito é concebido coletivamente, mas a favor de um protagonista, com vistas a ampliar o limite do imaginário individual, atualizando-o por meio de um procedimento cênico coletivo em função da vontade do protagonista a ser ritualizado. È uma travessia no plano dos espaços pentamusculares que colabora para a ampliação dos limites psicofísicos, densos e sutis. Proporciona abertura e amplitude de conceitos, pontos de vista e perspectivas, aumenta a confiança em si e nos outros (BAIOCCHI, 2007, p.146)

            Neste rito de passagem, uma protagonista escolhe a forma em que deseja passar de um estado conhecido para outro estado de novas descobertas. Esta pessoa cria todo um roteiro, apontando tudo que precisa para a realização do seu rito, direciona tarefas aos demais participantes de acordo com sua proposta, escolhe um local para a prática do rito, onde poderá ser um lugar fechado ou ao ar livre. (Na maioria das fotos que pesquisei, os ritos são feitos na natureza). Não costuma determinar o tempo para cada rito, mas duram em torno de uma hora, uma hora e meia. Antes de iniciar o rito, a mandala de energia é realizada como preparação. Neste trabalho coletivo, todos devem “entrar de cabeça”, ficando atentos ao ego para que não quebre o fluxo do grupo, ele não deve ser negado, mas dosado, deve existir uma generosidade consigo e como outro.
            Nestes três exercícios propostos pela Taanteatro, é perceptível que ocorre um revesamento nos meios de treinamento, há uma variação, entre estúdio e natureza, que favorece o ator/performer. Após esta análise e apresentação destes exercícios, podemos concluir que o corpo, com esta variação do meio, não se compromete tanto a cristalizações e se abre para novas possibilidades corporais. Além de analisar quando falam sobre a pentamusculatura, que muito me lembra da diversidade que a natureza nos propõe, conseguindo ainda mesmo em meio a tanta multiplicidade criar uma unidade.   Percebe-se que a natureza como treinamento e como atmosfera cênica propõe uma linguagem que de alguma forma comunica com um coletivo. Talvez porque ela traz consigo, um sentimento comum da origem de um povo, de uma cultura. Ou também por sua energia estar em equilíbrio e conseguir entrar facilmente em ressonância com as múltiplas singularidades humanas, fazendo com que cada um que atua, tanto ator como público, dialoguem de alguma forma com a proposta cênica apresentada no meio da natureza ou com algum de seus elementos postos em cena. Deixando ai sua colaboração positiva para o homem e para o ator.




5- MINHA MÃE  MEUS PAIS - MINHA EXPERIÊNCIA “EM PERFORMANCE”


            Minha experiência para a performance “minha Mãe, meus Pais”, foi para mim algo quase que inexplicável e possível de ser descrito, acredito muito no acontecimento, e assim sendo temo não suprir a dimensão da minha experiência e de quem me acompanhou no meu processo.
            Para que minha experiência em meio a natureza acontecesse e eu pudesse criar minha performance, planejei inicialmente me isolar durante dois dias na cidade de Santo Antônio, interior de Goiás, onde o ritmo e energia do lugar é outro completamente diferente da grande cidade de Goiânia, o que consegui cumprir. Mas juntamente com esta proposta, eu criei um cronograma a ser cumprido.
            No primeiro dia, iria para um córrego, onde julguei mais interessante para esta parte do trabalho, por ser água corrente pela energia estar em movimento e seguir seu fluxo natural. Programei inicialmente as seguintes atividades: num primeiro momento, por volta de uma hora, me colocaria a receber a energia do lugar. Sem entrar na água, e em silêncio, buscaria esvaziar os pensamentos, o corpo. A respiraração deveria tranquilizar-se, deveria sentir e receber tudo que o lugar tinha a oferecer. Entraria numa meditação e observação do lugar, seus sons, suas imagens, sua força e energia. Num segundo momento, programei entrar na água e sentir sua energia, verificaria seu peso, e deixaria com que sua energia fluísse em ressonância com a do meu corpo, não buscando formas, somente sentir tudo que aquele momento tinha para lhe presentear. Por enquanto receberia tudo, estando aberto e sem pretensões, buscando ouvir, sentir. Esta segunda parte se possível também deveria durar uma hora.
            Num segundo momento, dentro da água, numa parte mais rasa, onde desse para se sentar,  pronunciaria meus desejos à água e a natureza, como se entoasse um mantra, deveria pronunciar palavras positivas. Uma mesma palavra deveria ser pronunciada por várias vezes, a medida que fosse entoando, poderia criar uma melodia se sentisse necessidade, não negando os instrumentos naturais da natureza. Lembrando que cada palavra pronunciada iria reverberar no meu corpo uma reação, propus também ser feito por uma hora. Em seguida por mais uma hora, deveria entrar na água e dançar, neste instante eu já sentiria sua energia, criando um diálogo com ela, deveria compartilhar da sua energia e de seus desejos. Agora o reencontro das águas do meu corpo iria fundir-se com a água corrente da natureza. Deveria criar um diálogo, deixando fluir pelo corpo a energia coletiva das águas, deixando-se levar, dançando e sentindo a liberdade existente na sua essência.
            Assim era o programado para o primeiro dia de trabalho. Juntamente com meus amigos Taiom Tawera e André Moura, que iriam me ajudar registrando meu trabalho. Partimos seguindo ruas ainda dentro da cidade, e logo entramos na estrada de chão. Seguimos caminho a fora, até que percebemos que algo estava por vir. O céu fechava-se, e uma chuva estava por vir. Mas acreditávamos que seria passageira e que às vezes nem cairia, pois ventava muito. Continuamos a caminhada até que o esperado aconteceu, uma forte chuva caiu sobre nós, já estávamos quase próximos do nosso destino, mas preferimos para num casebre no meio do caminho e esperar a chuva acalmar-se, pois para chegarmos até o córrego tínhamos que descer  por descidas bem íngremes de terra, que possivelmente estariam bem escorregadias. Ali paramos e nos pusemos a esperar. Vendo aquela chuva cair, as poças e enxurradas que formavam pelo chão a fora, algo reverberou em mim para que iniciasse meu trabalho ali, naquele momento. Afinal era água, e pouco tocada pelas mãos do homem, que é o principal elemento constituinte da minha pesquisa, além de muito me identificar com este fenômeno da natureza, que ao meu ver muito transforma, por onde quer que passe.
            Tirei a maior parte das minhas roupas, disse aos meus amigos que iniciaria meu trabalho. Saí debaixo da varanda do casebre onde nos escondíamos da chuva, e fui ao encontro dela. Apenas me propus a senti-la, e apreciar a paisagem que meus olhos avistavam. Todas as árvores dançavam com o vento e com a chuva que caía por entre suas galhas. Meu corpo reverberava pequenos impulsos e tensões. Tentei inicialmente apenas sentir aquela água que banhava meu corpo. Sentia um limpar da minha mente e do meu corpo, ela parecia literalmente lavar, renovar e transformar. Mas fui percebendo que não estava completamente aberto para aquele momento, minha ansiedade estava latente e de alguma forma prejudicava a experiência que aquele momento me propunha Tinha comigo ainda que deveria ser fiel ao cronograma, e estava com medo da chuva não parar para eu ir para o córrego. Nestes momentos em que a ansiedade surgia, lembrava de respirar mais lento, o que sentia que me equilibrava.
            A chuva não cessava, muitos trovões ressoavam graves estrondos, onde sentia meu corpo se tencionar e pesar mais do que somente com a chuva e o vento. Meus músculos levemente se contraiam, e sentia meu corpo querendo se fechar, quase que imperceptivelmente. Aquele grave som vibrava de forma contida no meu corpo.
            Inicialmente estava de pé, e tudo aparentemente estava se tranqüilizando. Após algum tempo, senti completamente enraizado naquele chão e me abaixei em posição de cócoras. Fiquei um tempo nesta posição e depois me sentei no chão de pernas cruzadas, como posição de lótus. Sem passar muito tempo, comecei a sentir uma energia estranha da inicial, rondando meu corpo, uma energia com freqüência diferente da que eu havia conseguido ali alcançar. Comecei a salivar muito, e cuspir quase que sem parar, comecei a sentir um forte enjôo, minha cabeça começou a doer, e senti energias que por ali passaram e que não pareciam muito positivas, parece que aquele lugar meio que se escureceu. Não sei explicar o que aconteceu, parece que entrei no ventre da terra e senti suas angustias. Percebi que mais uma vez o homem com seus anseios e pretensões conseguiram deixar sua marca naquele lugar. Que a meu ver não se regenera por ali ser um lugar de fluxo constante de pessoas. Ali encerrei meu trabalho, não consegui prosseguir pelo meu mal estar. Esperamos a chuva acalmar e descemos para o córrego.
            Uma aventura se iniciou ali, fazia tempos que não íamos naquele lugar, e a mata estava bem fechada, quando chegamos ao córrego, pelo fato de ter chovido, ele estava marrom. A terra do fundo tinha se misturado com toda aquela água, e muitas plantas da beirada, tomavam lugar em meio a água. Assustei-me um pouco, e tive medo. Temia que pudesse ter cobra, ali dentro e eu não veria, pela cor da água. Mesmo assim, atravessamos pelo meio da água para chegarmos do outro lado e deixarmos nossas coisas.
            Logo dei continuidade ao meu trabalho, procurei uma parte mais rasa para que pudesse sentar e comecei a apreciar aquele lugar, cada planta, cada som, a água seguindo seu percurso. Tentei seguir o cronograma que havia feito para este primeiro dia de trabalho. Só que tendo em mente reduzir o tempo, por não ter muito mais tempo antes do anoitecer. Após apreciar e sentir o que aquele lugar tinha para me oferecer, comecei a pronunciar algumas palavras. A primeira foi paz, a primeira vez que pronunciei, foi como uma palavra mágica, escutei bem próximo um pássaro emitindo um belo som, foi como uma resposta. Ele emitiu e calou-se. Pronunciei novamente a palavra paz, e ele novamente respondeu assim se fez por oito vezes. Procurei pronunciar cada palavra oito vezes por me identificar com este número, o considerando símbolo do infinito. Após completar a oitava vez, mudei de palavra e o pássaro não mais cantou. Aquilo me despertou uma ansiedade e certo medo, pensando o que viria com as próximas palavras. Então resolvi já pensando que poderia ter uma nova resposta, pronunciar a palavra coragem, pois o medo começava a tomar conta de mim. Assim prossegui, colocando agora a mão na água, e pronunciei coragem. Meu Deus! O que foi isso? Gritei e saltei para fora do córrego em menos de um milésimo de segundo. Levei uma picada ou ferroada não sei, em um dos meus dedos, julguei ser uma cobra. Para meu espanto o Taiom e o André não estavam por perto, o que me incomodei ainda mais, não havia percebido eles se afastarem de mim. Mas lembrei de que havia dito a eles para procurar ficar em silêncio para não interferir no meu trabalho, mais não imaginei que sairiam ali de perto, até mesmo porque tinham que fazer registros fotográficos e filmagens.
            Naquele exato momento uma frustação tomou conta de mim, olhava para aquele córrego e não consegui mais me ver entrando ali, o medo tomou conta de mim e me considerei um fracassado. Afastei-me dali e fui procurar meus companheiros. De longe os avistei, estavam num campo gramado e cheio de cupins, logo acima de onde eu estava. Aproximei-me e contei-lhes o acontecido. Escutaram-me em silêncio, após acabar de contar, meu companheiro Taiom me perguntou se eu não queria dar uma andada para tranquilizar-me, disse a ele que sim. Saímos e fomos conversando. Até que ele me disse: “maninho, você está mais chateado, por não ter cumprido o cronograma não foi?”, respondi que era sim. Ele prosseguiu: “o que atrapalha o ser humano de ter experiência é criar expectativas das coisas e pessoas. Você não teve uma ótima experiência com a chuva? Você já não conseguiu absorver várias coisas deste lugar desde que chegou? Não negue estas experiências, elas sem dúvida alguma te servirão na sua pesquisa.”
            Isto realmente se consumiu. Lembro-me de um texto do Antunes Filho que li em um momento da faculdade, em que ele falava que o que atrapalha o ator a ser orgânico e passar uma verdade na cena são a ansiedade e o medo do que possa acontecer de imprevisto na cena. Ou seja, quando se entra em cena, devemos viver aquele momento como vivemos nossa vida, e se algum problema vier a surgir, seu corpo irá reagir como uma picada de algo desconhecido. Devemos nos dar a oportunidade de uma nova experiência em cena, e não temer ao desconhecido. E sim buscar ferramentas para superá-lo quando surgir, e não se antecipar a algo que possa não existir.
            Entendi então que tinha cumprido mais que o cronograma, havia tido uma experiência. Assim voltamos para Santo Antônio, onde tinha programado passar a noite e no próximo dia, acordar cedo e voltar até o córrego. O que não aconteceu. Uma chuva iniciou ainda à noite e se estendeu até o final da tarde do outro dia. Quando acordei, sai da casa e entendi o que aquela chuva queria me dizer desde o primeiro dia: “Por onde eu passo e toco tudo se transforma, se modifica em diversas formas, cores, tamanho, peso. Tudo se recria.” O que podemos compreender o que acontece com nosso corpo quando é tocado de alguma forma pela água.
            Assim regresso a Goiânia e programo outro momento para prosseguir com minha pesquisa. Agora meu destino seria ir para um lago. Esta nova experiência acontece uma semana após a primeira.
            Nesta experiência, dois amigos também me acompanharam Hyure Eufrásio e novamente Taiom Tawera. Desta vez, evitei cronograma, mas tinha em mente tudo o que deveria ser feito. A primeira experiência me ensinou a estar aberto ao acontecimento, ao que o momento, o tempo e lugar nos reserva. Superar a ansiedade, é o primeiro passo para que a arte brote no corpo. Foi com este pensamento que iniciei este trabalho e pude ter uma das mais belas experiências artísticas. Realmente a natureza, esteve pronta a me receber e transformar meu corpo.  Senti quase que imediato, um novo corpo se potencializando.
            Seguimos novamente para Santo Antônio, só que agora o destino era antes da entrada principal da cidade. Optei desta vez por trabalhar com água mais parada, por desejar sentir o ventre da mãe. Mas confesso que temia que sua energia pudesse estar um pouco cristalizada, pelo fato de pouco movimento.
            Iniciei esta etapa, saindo de carro de Goiânia com meu amigo Hyure e indo para Santo Antõnio, onde pegaríamos o Taiom. No caminho procurei ficar mais em silêncio e ouvindo músicas instrumentais, para acalmar minhas ansiedades. Chegando próximos a estrada de chão que dava no lago, deixamos o carro estacionado próximo a rodovia e seguimos mais uma vez por um percurso de chão. Estava descalço, para começar absorver e trocar a energia com a mãe Terra. Para nossa surpresa mais uma vez, o céu começou a se fechar, nuvens movimentavam-se rapidamente, o céu que estava azul, começou a acinzentar-se e lá estava a chuva, quase que por cair. Um forte vento tomou conta do lugar, e ao chegarmos ao lago, a imagem que vi foi surpreendente. O vento estava tão forte, que batendo na água formava pequenas ondas, que parecia um mar. Logo tirei novamente a maior parte de minhas roupas, pedi licença para adentrar naquele lugar e iniciei meu trabalho. Comecei por cavar com uma enxada, um buraco que seria utilizado posterior a preparação corporal, como proposta de ser o ventre da terra, de onde eu nasceria na performance. Que em mente já era uma imagem a ser experimentada. Preferi cavá-lo próximo as margens, para aproveitar a água para enchê-lo. Este trabalho foi bem difícil. O peso da água era tamanho, e exigia muito dos meus braços e punhos. Comecei cavando bem devagar, acreditando que seria bem fácil, mas passando o tempo com a repetição daqueles movimentos, percebi que não seria tão fácil. Então comecei a acelerar para tentar adiantar meu tempo. Assim fui me exaurindo, minha respiração estava acelerada e meu pulso também, após aproximadamente uns quinze minutos, o buraco estava cavado. Lancei enxada para beira do lago e logo adentrei na água. Que delícia, estava morna e meu corpo parecia agradecer por estar ali. Rapidamente o senti relaxar-se. Sentei-me na beirada do lago, e comecei a apreciar aquele momento, aquela água que batia no meu corpo, as ondas que o vento reverberava na água, a paisagem composta de algumas pedras em volta e muitas árvores, de várias formas e tamanho. Comecei a atentar-me a minha respiração, e cada vez que minha mente era ocupada por alguma ansiedade, eu respirava e mergulhava minha cabeça na água, soltando todo ar. Ao me levantar, respirava em dez segundos, prendia dez e soltava em dez. Assim  minhas ansiedades foram se calando e o que eu ouvia era a voz da água, do vento, dos pássaros, eu me sentia em profunda concentração e preparado para iniciar meu trabalho. Ali encontrara uma ressonância, minha frequência estava em equilíbrio com a daqueles elementos que a natureza me propunha. Me sentia parte daquele lugar.
            Comecei então, a olhar à minha volta e a registrar as imagens que me rodeava. Fixava meu olhar cinco segundos para cada ponto, fechava os olhos e em cinco segundos reproduzia a imagem na minha memória. Abria os olhos repetindo este exercício, por várias vezes. Fiz este exercício pela primeira numa oficina ministrada por João Fernando Cabral. Virei meu corpo, para os quatro cantos. Para possibilitar uma visão periférica das imagens a minha volta, além de sentir a água me tocar.
            Então comecei a trabalhar com um mantra das vogais, e a medida que ia pronunciando, deixava que a vogal pronunciada reverberasse em meu corpo um movimento. Assim segui numa harmonia e equilíbrio total com aquela água, com aquele belo lugar. Após ficar algum tempo pronunciando as vogais, criei um mantra com a palavra mãe, assim fui pronunciando e meu corpo foi ganhando uma nova forma, novos movimentos, ele relaxou-se e se acolheu, me senti leve, contínuo. Em seguida pronunciei a palavra pai, criando também um mantra, o que aconteceu de imediato foi uma nova postura corporal, meu corpo estava pesado, contraiu-se completamente, uma enorme tensão se entendeu por cada músculo, por cada membro.
            Então fui deixando de pronunciar o mantra e comecei a deitar-me na água e relaxar-me. Levei comigo imagens de fetos e uma fotografia do casamento da minha mãe e do meu pai, onde os dois estavam vestidos de noivos e de mãos dadas. Peguei estas imagens e levei para dentro do lago. Pus-me durante bastante tempo a observá-la. Experimentando a proposta de Masaru, quando diz que a água reage a imagens, fotografias, sons e outros. Ali meu corpo sendo água e estando dentro da água, iriam vibrar e reverberar algo no meu corpo. Assim se confirmou esta proposta. Fixei meu olhar primeiro para os fetos, depois para meus pais. Uma forte emoção tomou conta de mim, um compulsivo choro brotou do meu amago, não conseguia entender o que acontecia e nem busquei entender, abri-me para aquele instante, deixei meu corpo agir por si, percebia cada detalhe. Percebia na foto dos meus pais, o detalhe de suas bocas, narizes, olhares, suas mãos, cabelo, identifiquei neste momento minha aparência física com a do meu pai, e minha essência, meus sentimentos, identifiquei ao olhar para os olhos da minha mãe, me vi lá dentro. Não consigo por em palavras o que senti ali, o choro saia ainda mais forte, a ponto deu soluçar. O tempo foi passando e fui acalmando. Peguei as imagens, coloquei os fetos abaixo da fotografia e mergulhei-as na água, ficaram intactas por um momento, até que foram se degradando. Amassei-as em minhas mãos, fui fechando meu corpo, e como estava na parte rasa, deitei-me e levei meu corpo a se transformar em feto. Neste momento o vento que soprava sobre as águas acalmou-se, e uma grande tranquilidade tomou aquele lugar como que uma mágica. Dali para frente tinha em mente iniciar a criação da minha performance, com tudo que havia experienciado desde que ali cheguei. Na posição fetal, meu corpo reverberava as imagens dos fetos que observei, e com o suave mexer das águas, meu corpo movimentava como se estivesse no ventre, a água era a placenta, ali com os olhos fechados, deixava a água pulsar e meu ser, só meu rosto permanecia fora da água. Escutei incrivelmente meu coração bater debaixo da água, parecia sentir o coração da Terra, da água, tudo estava em sintonia e eu era uma semente dela sendo germinada. Meu corpo foi mudando de formas por vários momentos, a água o conduzia. Meu corpo estava leve, descontraído, pequenos impulsos internos brotavam e minha respiração começou meio que acelerar, meu corpo parecia que não cabia mais naquela forma e espaço. Era hora de nascer. Meu corpo começou a se colocar para fora da água, meio que me senti engasgado, e quando meus olhos tentaram se abrir, a claridade era tamanha, e ofuscou meus olhos. De repente um som vem vindo da minha respiração, que parecia curta, para na garganta, os pulmões parecem pequenos e muito contraídos, sai então um choro para mim desconhecido. Um novo registro vocal surge, me emociono, pois me vi nascendo do ventre de minha mãe. O primeiro passo da minha proposta cênica surgia naquele momento. Deixei meu corpo ir crescendo e se adaptando naquele espaço. Aproveitei que meus pés neste momento estavam numa parte lamenta do lago, e o prendia, usando isso ao meu favor. Criei uma dificuldade para andar e me mover, que seria os primeiros passos de uma criança. Fui conduzindo neste instante meu corpo a resgatar os movimentos que experimentei quando entoava os mantras das vogais. As vogais assumiram um papel de percurso, de caminhos que o corpo assume no dia a dia. Deste momento em diante intercalei movimentos que reverberaram em mim quando pronunciei o mantra com a palavra mãe e pai, tentando resgatar a energia de quando os observei na foto. Quando dei por mim, a performance estava criada. Depois do último movimento, encerro com uma imagem das minhas mãos, colocadas uma sobre a outra, como estava as mãos dos meus pais na fotografia. Ali então identifiquei uma poética, que nascia da mãe Terra, da mãe Água e era entregue aos meus Pais.
            Então após concluir este momento, me despi completamente e voltei a posição fetal, onde iniciei uma nova passagem do que havia construído para fixar. Já quase no final fui interrompido pelos meus companheiros, que me avisaram que muitas vacas se aproximavam do lago para beber água. Terminei então meu trabalho neste momento. Respeitando os moradores que ali habitavam e agradecendo aquele lugar por cada segundo que dialogou comigo. Sai completamente realizado por esta grande e indescritível experiência.

         
                                                                Figura 17  

                                                        
                                                                Figura 18

          
                                         Figura 19     

                                           
                                           Figura 20

    
                                                               Figura 21          


                                                                Figura 22

         
                                                     Figura 23     

                                                              
                                                      Figura 24

                                       
                                                               Figura 25     
                                                           
Figuras 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 são registros da experiência que tive num lago, onde experimentei os exercícios descritos neste capítulo. Neste momento surge a performance “minha Mãe, meus Pais”, na qual  aproveitei estes registros para resgatar algumas imagens corporais. Este lago se localiza próximo a entrada principal da cidade de Santo Antônio Goiás.

CONCLUSÃO

            Somos um pedaço de tudo..... de todos... Lá está uma parte, apenas uma parte, pedindo para que seja vista.... ela derrama lágrimas, na face de um mundo reconstruido e não respeitado. Descuidado, esquecido... A máscara mal reproduzido da Terra, cai e desaba, mostrando que a essência é fonte da vida.... combustível imprescendivel para funionamento do corpo... mente e espirito.... ou simplesmente do corpo, da mente ou do espírito?
            Tudo parte de um desejo intuitivo.... até que o consumo deste, confirma que é uma boa experiência pessoal, artística e acadêmica. Abre-se o pensamento de que a experiênica em vida se torna passo inicial de nossas criações, sejam elas quais forem.
            Sempre me incomodei com coisas em qualquer meio, que tentasse de alguma forma enquadrar meus pensamentos, por isso aprendi a respeitar para que fosse respeitado.
            Concluo agora, mais uma etapa da minha vida, que muito me trouxe... de bom, que muito me ensinou. No percurso alguns descontentamentos, mas sempre a força e confiança em mim foi essencial para a auto superação. Descobri e aprendi a não julgar as coisas e as pessoas, tendo em vista apenas um lado apresentado. Tudo é múltiplo, e devemos nos abrir para esta multiplicidade. A vida e a arte não são vias de mão única, por mais que alguns tentem as apresentar como tal. Vida e a arte não se limita, não cabe a nós quere limitá-la para suprir nossas pretensões.
            Consegui ter uma experiência quase que inexplicável. Com certeza  o que pode transformar o ser  e o artista, não seja o que consegui apresentar em cada limitada linha, mais o caminho que de alguma forma explicitei, poderá ser porta de experiências infinitas.  A arte como a vida, vale pela experiênica, sentir e viver a vida é construir nossa arte. O que parece ser apenas um desejo pessoal, pode tomar consistência e dar rumos tempos seguintes a uma grande e importante experiência para si e para todos a sua volta.
            Não há caminho que não se aprenda. Muito temi a tudo que acreditava, e aqui consegui unir desejo, experiência e ciência. Quanto mais conhecimentos conseguirmos criar uma unidade, mais suprida será nossa existência!

“A vida não é de se brincar, pois um belo dia se morre...” (Clarice Linspector)



Referências


BAIOCCHI, Maura. Butoh-Dança Veredas D'Alma. São Paulo:Palas Athena, 1995
BAIOCCHI, Maura; PANNEK, Wolfgang. Taanteatro- Teatro Coreográfico de Tensões. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar:Ética do humano-compaixão pela terra. Rio de Janeiro: Vozes,1999
BONDÌA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, nº19. Campinas: Autores Associados, 2002
COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2007
CYPRIANO, Fabio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
EMOTO, Masaru. O verdadeiro Poder da Água. São Paulo: São Paulo: Cultrix, 2007
MEDEIROS, Maria Beatriz de; MONTEIRO, Mariana F. M.; MATSUMOTO, Roberta K. (org). Tempo e Performance. Programa de Pós Graduação em Arte-UNB, Brasília: Capes, 2007
SOUZA, de João Roberto. A Dança Butoh. Publicado no jornal Dança Brasil. Disponível em: <http://www.butoh.com.br/taxon/dancabutoh.html>- Acessado em: 12/06/2010







[1] Performance que tinha como foco, as partidas que convivemos em nossas vidas, com a proposta de que não devemos encarar nossas partidas e perdas como um fim e com tristeza, mas com alegria por ter a certeza que dali pra frente, será início de um novo caminho e de novas experiências.
[2] Classificam-se como musculaturas elementos bastante heterogêneos, desde um objeto de cena até o absoluto, tendo todos em comum a relação com a cena e o mundo do performer, e o fato de formarem uma noção de corpo ampliada, expandida... A descrição da pentamusculatura se divide em: “Aparente ou a aparência é tudo o que se encontra na superfície do corpo: pele, cabelos, unhas; Interna ou as estruturas situadas imediatamente após a pele são os músculos, ligamentos e tendões, todos os órgãos que compõem os sistemas respiratório, circulatório, nervoso, reprodutor, digestivo, excretor, e endócrino; Transparente ou a psique e suas funções e capacidades comportamentais são pensamento, imaginação, memória, intuição, razão, sonhos, abrangendo conceitos como alma, espírito e ego; Absoluta ou 'Absoluto' é energia sem forma e sem modo, geradora e destruidora de tudo que existe. Impossível de ser explicada pelo pensamento lógico e tradicionalmente  conhecida por diversos apelidos e máscaras como: Nada, Vazio, Essência Última, Consciência Superior, Eu Supremo, Centro, Príncipe Supremo, O Inominável, A Transconsciência, O Incondicionado, Brahma dos hindus, Darmakaya dos budistas, Deus ou Amor para a tradição cristã etc; [...] Estrangeira ou o environment é o que começa com as partículas do ar, logo em seguida à epiderme. É tudo que nos rodeia: o ar, a natureza, as outras pessoas, os objetos animados e inanimados. Em suma, o meio-ambiente, as circunstâncias da vida. Exemplos de musculatura estrangeira bem próximos do universo do performer são diretor, o cenário, a luz, o figurino, sendo que este último é também musculatura aparente quando vestido pois passa a ter função de segunda pele.” (BAIOCCHI E PANNEK,2007,p.63-65)