UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS
CURSO DE ARTES CÊNICAS
DIOGO SANQUETA DE OLIVEIRA
O ATOR NA NATUREZA:
O reencontro do ser em si e o despertar do ator para novas potencialidades corporais.
O reencontro do ser em si e o despertar do ator para novas potencialidades corporais.
GOIÂNIA
2010
2010
Trabalho de conclusão de
curso, tendo como objetivo a aprovação no Curso de graduação em Artes Cênicas -
Bacharelado, pela Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, tendo como
Orientador o Professor
Dr° Alexandre Silva Nunes.
O
ATOR NA
NATUREZA:
O reencontro do ser em si e o despertar do ator para
novas potencialidades corporais.
Monografia apresentada no
curso de Bacharelado de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, para a
obtenção do grau de Bacharel aprovado em ___ de dezembro
de 2010, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
_____________________________________________________
Prof°.
Dr° Alexandre Silva Nunes - UFG
Presidente
da Banca
_____________________________________________________
Profª Mestra
Sabrina Cunha – IFB
_______________________________________________________
Profª Drº Valéria Maria Chaves Figueiredo -
UFG
Dedico esse trabalho a minha
amada mãe, motivo de minha existência, ao meu querido pai, a minha irmã, que
muito me apoiou com sua força e energia, ao meu afilhado Victor Hugo... meu
eterno filho.... a dona Tânia Nasciutti
e a Teresinha (Bibliotecária da E. E. Isolina França Soares Torres- Araguari-MG)
amigas do coração que torceram desde a época do meu ensino fundamental por esta
minha conquista.
Agradeço a Deus, fonte de equilíbrio e vida, aos meus grandes
mestres: Valéria Figueiredo que me ensinou aconfiar em minhas intuições
artísticas, Alexandre Nunes que respeitou meu tempo, e acreditou que eu seria
capaz de cumprir com cada burocracia acadêmica, se tornou mais que um mestre,
um grande amigo, Sabrina Cunha por me mostrar que a arte nasce da simplicidade,
Valéria Braga, por me ajudar a esculpir meu tempo, minha vida, e que na arte tudo
pode e deve se transformar sempre que
nosso desejo ansiar. A família Bispo que me acolheu inicialmente aqui em
Goiânia, em especial a Edileuza, minha prima que me incentivou a prestar o
vestibular em Goiânia, ao meu grande amigo Dickson Du-Arte, que muito
influenciou minha arte singular. a todos amigos que se tornaram para mim
família aqui em Goiânia, sendo eles Alessandra, Elfo ser mágico que me abre
sempre portais infinitos, Taiom Tawera meu querido irmão de alma, meu humilde e sábio xamã,
meu amigo de palco que muito contribuiu e embarcou nas minhas realizações
artísticas, Renata Weber minha mãe, irmã, que desde o inicio da faculdade teve
um cuidado especial comigo e que além de tudo compartilhou das minhas
“loucuras” artísticas podendo ainda colaborar com seu relato de experiência, Gerda Arianna, por sua
singularidade indescritível e por compartilhar inúmeros momentos de vida e
arte, Letícia Lemes, uma amiga para todas as horas, que muito é e significa na
minha efêmera vida, muito me ensinou com seu jeito amável de ser, além de
contribuir muito para realização da minha arte, colaborando ainda com seu
relato de experiência, André Moura, por sua sincera amizade e por me ajudar com
seu relato de experiência e com seu notbook para realização desta, Hyure “Vizinho”,
amigo que muito contribuiu para a realização deste trabalho, ensinando que a
vida não deve ser circular, por isso deixemos de lado o julgamento e nos
abramos para a nova experiência, Cléo
por ocupar um espaço singular em minha vida sendo minha mãe por muito tempo...,
Billy que me emprestou o seu notbook e a
todos amigos de Minas,
sendo eles, Rodrigo Ribeiro que sempre torceu para que meus sonhos se tornassem
realidade, sendo sempre presente mesmo a distância, Fernanda Beatriz minha
eterna ninfa e alma gêmea, Thiago Calegari companheiro até o nascer do sol, Eva
e Gui, meus grandes amigos de todas as horas, Maluh Pereira e Luciana Vaz por
aceitarem meu convite de montar um espetáculo, e doarem muito de si para a
realização de um desejo que muito foi para mim, Lu minha irmãzinha violeta, que
sempre me ajudou e torceu, enviando suas vibrações positivas, Caca meu louco,
dyonisiaco e grande amigo, a minha amada madrinha Geni, ao meu vô José Cândido,
a minha prima Luana Gabriela e a todos que
torceram por mim nesta batalha...
...“Eu sou memória das águas...” (Maria Bethânia)
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso se
estabelece através de uma experiência que propõe o resgate do ser consigo, ou seja, o autoconhecimento do ser humano,
através daquilo que o antecede na
natureza. Nele, considera-se a ciência vigente
de que setenta por cento do corpo humano é composto
de água, assim como setenta por cento do
planeta
Terra é igualmente constituído
por água. Ou seja, nós, nossa essência e nosso entorno são
basicamente água. A água com a qual
cotidianamente nos relacionamos, no
meio urbano no qual
passamos a maior parte de nosso tempo, sofre
influências diretas da cultura, podendo estas influências
possuírem aspectos negativos ou positivos, para nossa vida e para a vida do
planeta. Por outro lado, precisamos
desta água e sua energia
para nutrir-mo-nos e
equilibrarmos
nosso corpo. Estas idéias são trabalhadas no
presente estudo como imagens de referência para o desenvolvimento de
experiências e reflexões artísticas que colaborem para o
resgate de
nossa energia original e para repensar formas de trabalho
cênico corporal, considerando o equilíbrio entre homem e natureza.
Palavras-chave:
Experiência, corpo, água, natureza
SUMÁRIO
1-
|
INTRODUÇÃO
|
|
2-
|
O AFASTAMENTO DO SER EM SI E DA EXPERIÊNCIA
|
|
2.1-
|
A ÁGUA E A NATUREZA: PROPOSTA DE REENCONTRO DO SER
CONSIGO
|
|
3-
|
O ATOR NA NATUREZA: O DESPERTAR DE NOVAS
POTENCIALIDADES
|
|
3.1-
|
RELATOS E EXPERIÊNCIAS
|
|
4-
|
RASTROS NO CAMINHO
|
|
5-
|
MINHA MÃE MEUS PAIS- MINHA EXPERIÊNCIA “EM
PERFORMANCE”
|
|
6-
|
CONCLUSÃO
|
|
6-
|
REFERÊNCIAS
|
Introdução
Desde criança, sempre tive uma
ligação muito forte com a água e com a natureza. Sempre queria que minha mãe me
levasse a praças, ou a um bosque que ainda sobrevive numa cidade do interior de
Minas Gerais. O clima e a atmosfera destes lugares sempre me fascinaram, por
ser frio e aconchegante. Por mim, passaria horas nestes lugares sem desejar
voltar para casa. Gostava muito de subir nas árvores, esconder-me em meio
àquelas imensas galhas, ou até mesmo no chão, camuflar-me atrás dos troncos de
algumas grandes árvores, colher flores e presentear minha amada mãe. Lembro-me
que em minha infância, em quase todas as minhas brincadeiras com os amigos, eu
queria que tivesse água, dava um jeito de improvisar alguma cachoeira com a
mangueira, ou um chafariz com um chuveiro velho colocado no chão e virado pra
cima. Aquilo me despertava um bem estar e uma felicidade inexplicável, todos
corriam e passavam no meio daquela água com uma imensa alegria, energia e
vigor. Ríamos muito, aquele momento era uma experiência, não tínhamos
preocupações, ansiedades, queríamos simplesmente viver aquele tempo que era
presente, fazer dele infinito. Mas esta realidade foi mudando com o passar dos
anos, percebi que infelizmente perdemos à medida que crescemos, este tempo, não
conseguimos esculpi-lo a nossas necessidades, entramos num tempo imposto que
nos afasta de nós mesmos. Um tempo criado para produzirmos bens e lucro, o que despreza todo tipo de
relação e sentimento.
Tempos se passam e essa paixão pela
natureza e pela água, pulsa demasiadamente por todo meu corpo. Tenho uma
necessidade de sempre ter contato com cachoeiras, lagos, mato, paisagens
naturais. Estes momentos e encontros me trazem uma experiência: posso viver ,
respirar, sentir, criar meu tempo. Na natureza não há egos, egoísmos, Gaia está
completamente “escancarada” para receber e doar. Tem seu tempo, mas acolhe e
compartilha do tempo de quem ali se faz presente. Neste meio, sinto-me mais
leve, revigorado, renovado, realizado. Cada vez que mergulho numa cachoeira, ou
num lago, ou finco meus pés na terra, aquilo que de alguma forma pesava sobre
mim, fica para trás, a água, a terra, e toda natureza, trazem soluções para meu
corpo ser e agir. Percebo-o se expandindo, parece um novo corpo, ele se torna
mais leve e sem “restrições”. Ele fica disposto a novos movimentos, forças,
energias, assumindo novas formas, sente a necessidade de dialogar com cada
elemento que percebe. Ele se deixa conduzir por cada gota que lhe toca, cada
elemento que o olhar se fixa, a cada folha seca que seguindo seu percurso
natural, correnteza abaixo, toca-o. Ele se expande de tal forma, perdendo suas
ansiedade e cristalizações, o que naturalmente cria um diálogo com aquele meio.
Surgem memórias, imagens.
Tempos vem, tempos vão, até que
decido ingressar numa Faculdade de artes, onde meu desejo de infância vem sem
dúvida influenciar minha arte e meus trabalhos artísticos, dentro e fora da
Universidade. Meu primeiro trabalho, já no primeiro semestre da faculdade,
foi levar água e terra para o palco,
onde os dois elementos se misturavam e transformavam em lama, texturizando
assim meu corpo, na encenação de “Valsa nº 06 de Nelson Rodrigues”, uma ousada
e intuitiva concepção cênica.
Logo em seguida a este trabalho, no
segundo semestre deste mesmo ano, levei novamente estes elementos para fora da
sala de aula (um campo gramado), onde me apaixonei por esta experiência e
comecei a levar minhas performances, sempre que podia, para ambientes da
natureza. Estes lugares além de criarem uma atmosfera diferente dos teatros
fechados, percebi que influenciavam de forma diferenciada meu corpo, e o
público. Meu corpo reverberava uma nova força e novos movimentos, com cada elemento
que o tocava. Ao público, era apresentada uma linguagem e imagem viva e
pulsante do mundo moderno em meio ao esquecimento daquilo que o antecede: a
natureza. Percebo então, com esta experiência, que a natureza influencia o
público e mais ainda a corporeidade do ator. Em contato com um meio diferente,
o corpo naturalmente vai reagir a ele, o que despertará novas potencialidades
de acordo com cada meio que o corpo seja exposto. E se pensarmos que a maior
parte do nosso tempo, condicionamos nosso corpo à energia da urbanização, o
caminho oposto a este meio (e que podemos propor como nova experiência) seria o reencontro com a natureza, origem e
essência do homem.
O ser humano, assim como o planeta
Terra, é formado por setenta por cento de água, ou seja, somos basicamente água
e nossa essência é água. Não adianta fugirmos ou negarmos a total influência
deste elemento em nossas vidas como fonte vital. E a realidade é que quanto
mais o tempo passa, mais esta água sofre com o descuido e a influência negativa
do homem, o que a está tornando, cada vez mais insalubre. Na maior parte da
humanidade, não se tem ainda a consciência de que quem sofre os danos somos
nós, pois somos ela. E se o homem morre, consigo leva a arte e consequentemente
o teatro.
Em minha pesquisa, questiono o
afastamento do ser desta sua essência, a água, e a falta de cuidado com ela.
Experiencio o reencontro do ser, voltando-me para as fontes mais naturais e
menos tocadas pelo homem, que seriam as cachoeiras, córregos e lagos, que ainda
sobrevivem com a forte energia positiva da mãe natureza.
Na natureza, o homem se conhece, e
assim a arte toma maior dimensão, o ator descobre uma nova realidade e o teatro
passa a confirmar sua multiplicidade de linguagens enquanto arte. O ser
conhecendo-se consegue transformar a energia que em si habita. Estando em
equilíbrio, consegue entrar em ressonância com a natureza e se apropriar se
suas forças, energias e formas. O que reverberará em seu corpo “arte”, novas
potencialidades. Dando origem a “novos corpos” e movimentos.
2- O AFASTAMENTO DO SER EM SI E DA EXPERIÊNCIA
Dias se passam, e em mim carrego um desejo inexplicável...
tenho sede de brotar, de renascer.... Uma angústia demasiada envolve meu ser, que clama por vida. Sinto-me
desfalecer a cada dia, sinto-me
sufocado por um meio que me reprime, me
limita. Obriga-me a cumprir ordens,
convenções, afastando-me cada vez mais de mim, do tempo, da experiência... e da singularidade de minha arte... Sinto minha arte se esvaziando a cada instante... pedindo socorro... Falta-me tempo para ser... cobram-me ter... O
ter... ah o ter... o ter como todos sabem, vai-se muito
efemeramente... sempre. E o que nos resta
é a esperança, o desejo de que em algum momento, possamos realmente ser,
existir, experienciar a vida. Poder senti-la se possível em sua quase total
dimensão, com todas as suas possibilidades e sem dúvida alguma como porta
infinita para nossa arte.
Quando olho
a minha volta, percebo o
quanto o homem tem se afastado de sua essência, de suas origens, das relações
com o mundo e com as pessoas a sua volta. Não se tem mais tempo. Os tempos
atuais caminham de forma acelerada, vivemos numa sociedade que tende a limitar
nosso tempo de sentir e pensar, além de bloquear nosso senso crítico e
questionador. Uma sociedade que nos solicita entrar em seu ritmo e
dificulta-nos contato singular com a experiência da vida. Para criar/instaurar
um tempo-lugar para este tipo de experiência, é preciso que haja tempo
exatamente para o experimentar, o estabelecimento de relação (sentir, pensar,
contemplar) com as coisas que passam por nós e com os fatos que atravessam
nossas vidas.
Esta
falta de experiência, ou o curto tempo para gerá-las, cristaliza nossas
potencialidades, e nossa essência, fazendo de nós “cadáveres animados”. Como
observa o educador Jorge Larrosa Bondía, o experimentar solicita de nós uma
interrupção no ciclo cotidiano de repetições, capaz de permitir novos olhares
para aquilo que nos é apresentado. A experiência requer tempo para dar e
receber, sem interrupção do fluxo
natural da vida:
“A experiência, a possibilidade de que algo nos
aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,
parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais
devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes,
suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os
ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar nos
outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo
e espaço”. (BONDÌA, 2002, p.24)
Ou, como afirma Medeiros:
“A temporalidade da modernidade, não é a da
experiência, do conhecimento, da felicidade. Ela é institucionalmente
organizada- o que corresponde a um encolhimento do “ espaço da experiência”
(MEDEIROS, MONTEIRO, MATSUMOTO, 2007, p. 11)
No livro “O Verdadeiro Poder da
Água”, o cientista Masaru Emoto relata
um fato muito interessante acerca da experiência, quando relembra de uma
entrevista que a senhora Kazue Kato, deu no seu aniversário de 100 anos. Kazue
é uma japonesa que viveu até 104 anos, muito conhecida no Japão, por atuar na
política do país e defender a libertação das mulheres. Ela se tornou o primeiro
membro do sexo feminino no Congresso Nacional japonês, na primeira eleição
realizada pós segunda guerra mundial. Muito contribuiu para a promoção da
condição social das mulheres no Japão. Na entrevista lhe perguntaram “qual era o segredo de sua
longevidade?”, e ela respondeu: “ Eu tenho 10 experiências por dia que tocam
meu coração. Esse é o segredo da minha longevidade”. (2007, p. 137)
Como podemos perceber, na resposta de
Kazue, a experiência é indispensável para quem quer viver bem e garantir a
qualidade de vida. O nosso retrato atual é que dias se passam, e o homem não
atenta a interromper o tempo imposto, buscando ter um tempo para si. Busca incessantemente
caminhos que o auxiliem, na maior parte das vezes, no crescimento financeiro,
perante uma sociedade geradora de imposições vazias. Perde a percepção de que
estes caminhos algumas vezes o afastam das relações, das experiências e de sua
própria essência. Toda relação, passa a se dar de forma superficial,
simplesmente para cumprir obrigações perante uma sociedade, onde tudo e todos
se tornam mera mercadoria. O valor humano é tristemente esquecido. O mundo à
nossa volta se degrada. Nossos ares são contaminados sem nenhum pesar, nossa
natureza é envenenada e destruída para dar lugar a mais e mais fontes de
renda. Isto gera um distanciamento da
realidade original para uma realidade artificial insalubre. O ser humano em
meio a esta realidade se fecha a qualquer outra realidade, cristalizando assim
seus sentidos, percepções, relações e experiência. Na verdade, ele constrói
outro mundo com suas próprias mãos. Cria um “complexo de Deus”, onde age como
se fosse Deus, dando vida a inúmeras tecnologias e ciências, pensando ter
domínio e conhecimento sobre tudo. Acredita não haver limites para suas
pretensões, e o que se vê é o reflexo ameaçador e destrutivo, que compromete o
destino de todo planeta Terra.
O limite humano é explicitamente
confirmado, basta observamos algumas tecnologias, como o mundo virtual, que
leva o ser humano a qualquer lugar do mundo, simplesmente sentado na frente de
uma quadrada e fria tela de computador.
Percebe-se aí o descuido com as coisas e com as pessoas. O afastamento do corpo,
da real experiência da relação. Do sentir, por exemplo, a temperatura do sol,
da brisa fresca da noite, de ver as cores e as paisagens do mundo lá fora. Não
se permite entrar em contato com a natureza, colocar os pés na terra, sujar as
mãos escalando árvores, escutar o canto dos pássaros, ou o som das águas
correntes. “O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano,
caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato
e do contato humano”. (BOFF, 1999, p.11). O homem deixou de lado sua vida
original para assumir uma vida solitária. Enquanto sua “casa comum”, a Terra, a
natureza, cai no esquecimento, e no descuido, sendo destruída a cada momento,
de forma exacerbada e impiedosa. Não conseguimos, sequer, reconhecer que somos
nós os causadores deste cenário deplorável, e que na verdade somos nós mesmos
os destruídos desta lamentável realidade. Muito se fala de preservação, de
cuidado com a natureza, e com seus mais variados biomas. Mas as ações que se
vêem, são muito menores do que é necessário para se reconstituir o mundo.
O homem como percebemos, por inúmeros
motivos esqueceu de suas origens, de sua essência, do respeito e cuidado para
com o próximo e para com o mundo que o antecedeu, da sua espiritualidade.
Espiritualidade esta que as religiões em si parecem não conseguir mais
reencontrar. Como analisa Boff, essa espiritualidade que nos reconecta com a
realidade pulsante da vida, significa:
“ser fonte do sentido transcendente
para o conjunto da sociedade... Ela pode seguramente revitalizar uma dimensão
da existência, o espaço institucional do sagrado e reforçar o seu poder
histórico-social. Mas não necessariamente gesta um modo de ser mais solidário e
compassivo... Ao “complexo de Deus mencionado anteriormente, devemos propor “o
nascimento de Deus” dentro de cada pessoa e da história da humanidade, e sua
epifania ao universo”. (BOFF, 1999, p.21).
Qual seria o caminho a se tomar, para
que o estreitamento das relações e da atual crise pudesse, de forma sutil,
equilibrar-se e voltar a seguir seu fluxo natural? Boff, analisou a questão e
observou que há quem sugira o “reforço da moral e a contensão dos costumes”, e
há quem sugira o reforço da educação. Como observa o teólogo, entretanto,
“Todas estas propostas, por sugestivas que sejam, não vão à raiz da questão
essencial”. (1999, p. 22). Suas sugestões apontam, dentre outras coisas, para
aquilo que estou advogando nesta monografia: o autoconhecimento. Seguindo a
esteira de Boff, podemos sugerir que, nos conhecendo e reconhecendo,
descobrimos nossas potencialidades, que nos auxiliam a melhor lidarmos com as
multiplicidades de situações com as quais nos deparamos dia a dia. Conhecendo a
nós mesmos, também podemos condicionar nosso corpo e nossa mente a reagir ao
fluxo natural e coletivo que a vida segue, desde sua gênese. Deste modo, somos
levados a perceber que nos afastamos do fluxo natural porque nos afastamos de
nós mesmos, porque somos natureza: perdemos nossa essência, deixamos de saber o
que realmente é necessário para existir; limitamos nosso tempo à obtenção do
ter, deixamos mais uma vez de lado a experiência, algo essencial para que a
relação do homem se faça de forma mais plena, abrindo espaço para o cuidado de
si e do outro e para o respeito.
A natureza, fonte vital do ser
humano, por alguns esquecida, anseia pelo reencontro, na esperança de um
diálogo e de experiências que mudem o pensar e agir do homem. Que este possa
reconhecer-se como pedaço dela e comece a cuidar de si, para que o equilíbrio
homem/natureza se restabeleça.
Assim como venho questionando a
relação do homem com a natureza, é também preciso compreender que vida e a arte
também não se desassociam. Uma se reconhece e se completa na outra. Devemos
cuidar de nós para que nossa arte floresça, possibilitando que nosso corpo
possa dançar, “assim como uma flor nasce sem pedir licença”. (OHNO apud
BAIOCCHI, 1995, p.22) Frase que Ohno diz, fazendo relação com a metáfora da flor,
segundo a poética cênica de Zeami.
Percebo como artista/pesquisador, o
quanto alguns artistas em determinados
momentos colocam o teatro numa posição limitada, limitação esta que não se faz regra, mas
que também não pode ser negada. Na arte, assim como na vida, não há limites, e se estes surgem, podem
ser ultrapassados. E também é importante refazer o diálogo entre arte e vida,
uma relação que permita a ambas seguir um fluxo que também permita refazer o
diálogo entre ator e público.
É perceptível no universo artístico, assim
como na vida cotidiana, o quanto se cria
quase que instintivamente algumas cristalizações, causando uma interrupção do fluxo natural de nossa arte. A experiência,
uma realidade tão distante na vida cotidiana, reflete também na arte. O
acelerado tempo limita as possibilidades dos
encontros, das descobertas. Onde tudo na
verdade deveria se misturar e se transformar em novas linguagens e potencialidades.
Interromper o ciclo cotidiano
acelerado e abrir um olhar pra si é necessário. Precisamos articular nosso
tempo/espaço de forma que nossa arte brote naturalmente pelo nosso corpo,
tornando nossos movimentos mais orgânicos e significativos, por maior que seja
nossa subjetividade e poética singular. Esta relação proporcionará ao ator e ao
seu trabalho mais um acontecimento/experiência, do que, propriamente uma
representação conforme o princípio da performance (COHEN, 2007).
Conhecendo-nos, temos mais confiança e coragem para mergulharmos em múltiplas
experiências, de forma a deixar que estas acrescentem e reverberem em nosso
repertório corporal e emocional, e também possibilitem o surgimento de novas
poéticas e estéticas. Ampliando e proporcionando ainda uma relação mais íntegra
e cuidadosa consigo e com o público que recebe toda vibração enviada pelo ator
e sua encenação.
2.1-A ÁGUA E A NATUREZA: PROPOSTA DE
REENCONTRO DO SER CONSIGO
Como sabemos, o corpo humano adulto é
constituído por 70% de água. Também o planeta Terra é constituído por 70% de
água e 30% de terra. Estas informações confirmam que a maior parte do ser
humano, e do planeta, são formados pelo elemento água. O que poucos sabem, embora
possam intuir, é o poder que a água exerce sobre cada ser existente na face da
Terra. Porque se ela constitui a maior parte do nosso corpo, nós podemos julgar
que basicamente passamos a ser água.
Quando está sendo gerado no ventre da
mãe, o embrião humano é ainda mais composto por água: 96% do óvulo fertilizado
é água. E ao nascerem, os bebês são constituídos por 80% de água. Mas à medida
que vamos crescendo, e chegamos à idade adulta, esta porcentagem vai
diminuindo, até se estabilizar em torno de 70%. Ou seja, desde o início de
nossa concepção, nós somos água. Nossa essência e origem é água. O que significa
que o afastamento de nós mesmos está ligado aos descuidos com a água (do
planeta) que somos.
Trabalhando performaticamente,
encontrei caminhos que me levaram a formas de encantamento pessoal, artístico e
poético pela água e pela natureza, que também me levaram a ter certeza de que,
para vivermos bem, devemos cuidar e preservar a pouca água que ainda nos resta.
Em busca de conhecimentos e maiores informações que pudessem sustentar meu
desejo artístico, e de alguma forma referências científicas, que dessem mais
consistência a minha pesquisa, tive acesso ao livro “O verdadeiro poder da
água” do cientista Masaru Emoto, anteriormente citado. Emoto estabelece uma
valiosa colaboração entre dados científicos e poéticos, que nos revelam o grande poder da água, que
somos. Os estudos de Emoto me fascinaram,
renovando-me o ânimo para confirmar as influências que a água exerce em nossa vida
e em nosso corpo. Observa Emoto que, por sermos basicamente água, modificamos
nossa corporeidade, de acordo com as vibrações que a água recebe do meio em que
se encontra.
Masaru Emoto nasceu em Yokohama,
Japão, em julho de 1943 e é formado em ciências humanas pela Universidade
Municipal de Yokohama e pela Open Internacional University. Em 1986, ele fundou
a International Hado Membership (IHM) Corporation, em Tóquio. Em outubro de
1992, recebeu da Open International University um certificado em Medicina
Alternativa. Posteriormente, estudou os conceitos de “água em microclusters”,
nos Estados Unidos, e tecnologia de Análise de Ressonância Magnética. Assim
começou sua busca da descoberta dos mistérios da água (EMOTO, 2007).
Em seu livro, Emoto afirma que foi
apenas aos 43 anos de idade, que descobriu as maravilhas e mistérios da água.
Trabalhava no comércio exterior, quando colegas de trabalho lhe apresentaram um
tipo de água que, como milagre, lhe curou de uma dor no pé. Este acontecimento
o fascinou, levando-o a estudos mais aprofundados sobre a água. Com o passar do
tempo, convenceu-se da idéia de que a água tem a capacidade de absorver
informações. Mas ele não se refere a informações que recebemos quando lemos
jornal, ouvimos o rádio ou assistimos a TV. Ele se refere a “a fatores externos
que afetam a mente e o corpo. Por exemplo, quando contempla uma paisagem
bonita, você sente paz. Quando ouve uma bela música, sente o coração mais leve”
(2007, p. 07). Assim, explica que usa o termo informação “para designar todos os fatores externos que afetam o
corpo e a mente” (2007, p.08)
Passado muitos anos pesquisando, chegou
à conclusão “de que a qualidade da água muda de acordo com as informações que
ela absorve” (2007, p. 08). O que nos leva a entender que a qualidade da água
muda conforme a influência externa que ela recebe do meio em que se encontra.
Nosso corpo, sendo 70% água, naturalmente poderá se transformar, de acordo com
cada informação que receber. Nesta pesquisa busco explorar as múltiplas
potencialidades corporais, advindas de experiências com a água, capazes de reverberar
novas formas, forças e energias. Pois as informações que recebemos e os meios nos
quais podemos levar nosso corpo são infinitos.
As descobertas de Masaru,
inicialmente não foram bem aceitas pela comunidade científica. O que o levou a procurar
provas mais sólidas para suas teorias. A forma com a qual investigaria a água
começou após abrir por acaso um livro que “afirmava que ao longo de milhões de
anos nunca existiram dois flocos de neve idênticos” (2007, p. 08). Esta
afirmação para ele não era nenhuma novidade, mas o que parecia tão banal o fez
palpitar o coração: surge daí a idéia de congelar a água e examinar os cristais
formados. Imediatamente aproveitou que sua empresa de comércio exterior tinha
contratado o pesquisador Kazuija Ishibashi, doutor em Ciências Aplicadas,
formado pela Universidade Kumamoto e que fazia análises através de microscópio,
para iniciar sua investigação sobre a água. Logo providenciou um microscópio de
alta precisão pedindo ao pesquisador Ishibashi que fotografasse os cristais.
Inicialmente a proposta foi recebida com “ar de indagação”, afirmando que pelo
seu conhecimento e experiência na área, não conseguiria fotografar os
cristais. Masaru insistiu, afirmando que
conseguiriam.
Assim, deu-se início ao experimento
de congelar a água e fotografar os cristais. Durante dois meses, Ishibashi
dedicou-se a este trabalho que, durante muito tempo, não logrou qualquer tipo
de êxito. Passados cerca de os dois meses de trabalho e expectativa,
conseguiram finalmente tirar uma foto de um cristal de gelo hexagonal Ishibashi,
que inicialmente não acreditava ser possível fotografar os cristais, com o
tempo se contagiou pela persistência e entusiasmo de Masaru, e passou a confiar
neste trabalho. O que Masaru acredita ter sido a causa da água ter mostrado seu
belo formato, afirmando: “Se a nossa intenção fosse ganhar dinheiro, eu não
acho que a água teria respondido aos nossos anseios e formado cristais” (2007,
p. 15)...
Quando publicou suas descobertas
sobre a água no livro “Hado no Shinri” (A verdade sobre a flutuação
ondulatória), em 1994, surpreendeu-se com a recepção e admiração com que as
pessoas receberam suas ideias, que julgava já terem sido pensadas anteriormente
por outras pessoas. A partir daí, continua fotografando cristais, ao longo de
cinco anos seguintes, e aprofunda suas investigações sobre a água, publicando
alguns livros e participando de importantes encontros por todo o mundo, fazendo
palestras sobre suas descobertas sobre a água e suas reações frente a
informações e vibrações de energia (Hado).
Masaru
e Ishibashi em continuidade com suas pesquisas perceberam, que algumas das
águas congeladas, não formavam nenhum cristal. Perceberam então que essas
reações poderiam estar associadas à qualidade da água que examinavam.
Continuavam a fotografar e perceberam que água de torneira não formava cristais
e sim, formas grotescas, diferente da água natural, não tratada, que formava
belos cristais.
Água
natural pode ser entendida como a água que não sofreu influência humana:
“Definitivamente, nós, seres humanos, já contaminamos
o ar. Na nossa atmosfera água forma nuvens e cai na terra em forma de chuva.
Depois que a chuva atinge a superfície, ela é absorvida pela terra e também a
contamina. Portanto, nesses termos, não existe água na Terra que já não tenha
sofrido a influência do homem.” (2007,
p.17)
Se ampliarmos esta idéia de água
natural, e se melhor pensarmos a respeito, podemos perceber que o homem também
se distanciou de sua origem natural. Não existe ser humano na Terra que já não
tenha sofrido a influência do próprio homem e do mundo, regras, convenções e
energias criadas por ele. Assim, percebo e assumo a importância de aprendermos
com a influência da natureza sobre nós, algo que antecede o tempo, o desejo e a
pretensão do homem. A natureza supre nossa essência e existência, pois somos
ela ou boa parte dela. Indo de encontro com nossa essência, nos redescobrimos,
possibilitando novas experiências, o que é de tamanha importância para o ser e
para o artista (de modo integrado e complementar).
O que se pode entender, segundo
Masaru, por água natural “é água que brota da Terra depois que a água das
chuvas foi filtrada pela mãe Terra”. (2007, p.17). A partir daí, Masaru e Ishibashi
começam a colher amostras de água de torneiras de várias cidades do Japão, Ásia,
Europa e Brasil. E as águas de torneiras da maior parte não formavam cristais, mas
as de Vancouver, no Canadá, Buenos Aires, na Argentina, e Manaus, no Brasil,
formaram belos cristais. E há justificativa, pois essas cidades estão
localizadas próximas de fontes de água natural. Essas pesquisas foram feitas a
alguns anos atrás, por isso os pesquisadores não podem afirmar que a qualidade
continua a mesma, com o passar dos anos.
Algo que Masaru, em suas
investigações, temia, e se que confirmou após verificarem algumas águas
minerais do Japão e outras importadas dos Estados Unidos, da França e do Canadá,
é que estas águas também foram contaminadas pela mão humana. Dois componentes
químicos foram encontrados: formaldeído e acetaldeído, sendo que “estudos
epidemiológicos indicam que o formaldeído é cancerígeno... e testes com animais
comprovaram que o acetaldeído também é cancerígeno”. (2007, p. 21). Estas
informações foram divulgadas no Jornal
Mainichi em 20 de Abril de 2003.
Estas diferenças na qualidade das
águas são importantes de serem apresentadas, para que tenhamos consciência e conhecimento
de que a água pura está diminuindo e nós somos os responsáveis por isso. E esse
descuido reverbera automaticamente em nossas ações e em nosso corpo, em nossa
mente. Somos água, e o descuido para com os mananciais de água, nos afasta de
nós, e prejudica unicamente a nós mesmos.
Isso se torna mais claro e possível
de ser entendido, quando Masaru lança a hipótese “de que a água produz
diferentes tipos de cristal de gelo, dependendo da informação que recebe”
(2007, p.22). E ele confirma esta hipótese, quando coloca água em dois frascos.
Em um deles coloca um rótulo com a palavra “ Obrigado” e em outro frasco um
rótulo com a expressão “Seu Idiota”, sendo a água de ambos os frascos da mesma
fonte.
Sua hipótese foi confirmada. O frasco
com a palavra “Obrigado” formou belos cristais hexagonais, e o frasco com a
palavra “Idiota”, formou alguns fragmentos de cristais, não dando origem a
nenhuma bela imagem (conf. Imagens acima). Conseguindo este resultado com a
água exposta a palavras, pode-se ampliar esta idéia, tendo em mente que as
pessoas poderiam ser mais felizes, de acordo com a qualidade da água que
consomem, sendo que esta se modifica de acordo com a palavra ou vibração que
recebe do meio. E lembrando que também somos água, fica mais claro que nosso
corpo se modifica o tempo inteiro, pois a todo o momento recebemos
interferência dos meios em que nos encontramos, das pessoas e de nós mesmos.
Em continuidade às experiências com a
água, e suas modificações frente a palavras, experimentaram colocar palavras
opostas como paz/guerra, muito bem/nada bom, entre outras, sendo que as
positivas formavam belos cristais e as negativas não formavam cristais,
aparentemente desconfiguravam-se. Palavras eram escritas em vários idiomas e
comprovaram que elas reagiam de modo bem parecido, como se a água pudesse entender
a essência das palavras. Um dos cristais considerado por Masaru o mais belo que
já vira, foi a água exposta as palavras “amor e gratidão”.
Os cristais levam em torno de dois
minutos para se formarem e desaparecer, um processo semelhante ao desabrochar
das flores. Masaru compara este processo como a preciosidade da vida. Somos
crianças e crescemos para sermos adulto, “depois da maturidade, o seu corpo
entra em decadência e morre. Sem sombra de dúvida, a água reflete a própria
vida” (2007, p.26). O motivo esclarecido por Masaru destes belos cristais se
formarem, é que a água também possui uma sensibilidade a um tipo de energia
sutil, chamada Hado, que também altera sua qualidade, refletindo na formação ou
não dos cristais.
Num dos livros de Masaru “The Hidden
Messages in Water” (Mensagens Ocultas na Água), o Hado foi traduzido como
“flutuação ondulatória”, já no livro “O Verdadeiro Poder da Água”, ele faz uso
desta palavra “para designar toda energia sutil que existe no universo” (2007,
p.30).
Tudo que nos cerca e gira ao nosso
redor, possui uma vibração ou Hado, podendo ser positiva ou negativa. E se
transmite para tudo. As palavras colocadas no rótulo, carregam consigo seu
próprio Hado, fazendo com que a água absorva essa vibração e forme cristais, de
acordo com a informação recebida daquela palavra. Ou seja, foi observado que
perante palavras positivas, a água formava belos cristais, contrária das
palavras negativas que fazia com que os cristais se deformassem.
No corpo, se conseguirmos
equilibrá-lo com palavras positivas, sendo água garantimos nossa qualidade de
vida e nossa saúde, pois “o Hado é o que determina a resposta da água à
informação” (2007, p.31).
Com equipamentos medidores de Hado,
Masaru e Ishibashi verificaram que os alimentos também produzem Hado, e são
modificados de acordo com a forma que são preparados e com a energia de quem
prepara. Podemos assim chegar à conclusão de que tudo existente na Terra
carrega consigo uma energia, e que em contato com outras energias pode se
modificar.
Para ficar mais claro esse conceito
de Hado, que Masaru utiliza, ele nos coloca o exemplo do diapasão. Se você pega
dois diapasões tendo a mesma freqüência de 440 Hz e um terceiro diapasão de 442
Hz, se você bater com um martelo de borracha em um dos de 440 Hz, o outro de
440 Hz que tem a mesma freqüência, ira ressoar com vibração do outro. O que não
acontecerá com o diapasão de 442 Hz.
Com essa explicação, ele nos faz
entender que Hado é energia, e que se duas coisas tem a mesma freqüência, elas
entrarão em ressonância. Isso amplia-se para nós na condição humana. Se
conseguirmos produzir nosso próprio Hado, outras coisas com Hado semelhante
poderão entrar em ressonância conosco, ou o contrário, também poderemos entrar
em ressonância com outras pessoas ou coisas que vibram na mesma ou semelhante frequência:
“Tudo tem uma vibração intrínseca.
Tudo mesmo, desde as moléculas que são compostas de átomos, até as partículas
subatômicas que compõem os átomos. Em outras palavras, toda partícula
subatômica tem uma vibração intrínseca. A nossa mente e o nosso corpo são
afetados pelo tipo de vibração intrínseca com a qual entramos em ressonância”
(2007, p. 31).
O estado no qual nos encontramos,
nossos humores, tensões, são alterados pelo Hado que recebemos, e podem ser
alterados pelo Hado que irradia por cada micro partícula do nosso próprio
corpo. Somos influência e influenciados pelo Hado que nos rodeia, e podemos
dialogar com “Hados” que estiverem na mesma freqüência. Se pararmos para
pensar, e levarmos esta referência para o teatro, e na relação existente entre ator
e público, podemos observar que o espetáculo comunica de alguma forma, se a
sintonia entre o ator e o público flui e estes conseguem entrar numa mesma
freqüência. Ou se falarmos de ator e dos elementos componentes de uma cena, a
freqüência deve ser a mesma, para que haja diálogo. Se o ator trabalha energias
positivas, conscientizando e recepcionando as vibrações dos elementos da cena e
do público, ocorrerá um diálogo e o teatro cumprirá seu papel de criar relação
e propor uma experiência.
Segundo a ecologia profunda, fortemente
representada, no Brasil, pelo teólogo e filósofo Leonardo Boff, tudo é
natureza, porém uma parte desta natureza e/foi transformada, ou seja, “Tudo” é
natureza. Nós somos natureza, ou água transformada e multifacetada. Também podemos
estabelecer relação entre esta noção da ecologia profunda e a milenar narrativa
bíblica. Encontramos nela, momentos nos quais podemos nos ver como água e
transformadores dela. Jesus e Moisés possui um grande equilíbrio de si, por
isso consegue em vários momentos confirmar que entra em ressonância com a água,
tendo aparentemente domínio sobre ela. Por exemplo, Jesus transforma a água em
vinho (João 2. 1-12), anda pelas águas (João 6. 16-21), diz que quem tiver sede pode ir a ele, pois do
interior do ser, manará água viva (João
7. 37-38) simbolizando a renovação do ser, e Moisés abre o mar vermelho (Exodo
14. 15-25).
A água aí assume o papel de elemento
transformador do ser, do corpo, e podemos visualizar, pela poética apresentada,
que, se somos água, podemos modificá-la, transformá-la, manipulá-la. O que
Jesus traz de ensinamento, nestes capítulos, é o autoconhecimento e o respeito
pelo ser e pela vida. Neste instante, aproveito para fazer um paralelo com o ser
humano. Se nos reconhecermos enquanto água, poderemos ser modificados a
cada meio por que passamos, tudo em nós se transformará e abrirá portas para o
surgimento de novas possibilidades e energias corporais. Como somos água,
natureza transformada, fica claro entender que quanto mais vivemos em meios
urbanos, mais perdemos de nossas relações originais, em meio a uma cultura
mantida sob inflações do ego. Na natureza, essa relação pode ser diferente, se
quem estiver se relacionando com ela, estiver despido de qualquer pretensão egóica
e vibrações negativas. Deste modo, a natureza estará sempre pronta para acolher-nos,
respeitar-nos e dialogar conosco.
Na primeira parte deste capítulo
abordei o afastamento do ser em si, ou seja, o afastamento do ser em relação a
sua própria essência; e a influência da cultura, que afeta a sanidade e a
energia do ser, com base nas pesquisas de. Emoto as quais diagnosticaram que
utensílios que irradiam ondas eletromagnéticas podem ser os causadores de
perturbações e desequilíbrio na terra e no homem, pois modificam e alteram o Hado de forma negativa.
Através de testes, colocando frascos
de água próximos a aparelhos de celular, TV e computador, obtiveram-se efeitos
terríveis, nos quais a água não formou nenhum cristal. O que foi possível
observar foi apenas “formas circulares destituídas de qualquer beleza” (2007,
p.115). Como passamos a maior parte do nosso tempo em meio a estes aparelhos
que liberam ondas eletromagnéticas, nosso Hado é certamente alterado e
perturbado por elas. O que Masaru sugere, é que como não podemos negar a
realidade, e a necessidade que passamos a ter destes utensílios, devemos usar
nossa energia para modificar ou neutralizar as vibrações lançadas por estes
utensílios. Em outros testes, os pesquisadores colocaram num frasco com água as
palavras “amor e gratidão”, e colocaram de volta próximos aos utensílios
citados anteriormente. O que testemunharam foi a formação de belíssimos
cristais. A força e energia das palavras “amor e gratidão” foi capaz de
neutralizar quase que por completo a energia lançada pelos utensílios.
Realmente percebemos o quanto somos responsáveis por tudo existente na Terra.
Testes com imagens, sons dentre
outras informações positivas foram realizados, e o resultado esperado foi
confirmado, todas as informações positivas resultaram em belos cristais. “Já
expusemos a água ao maior numero possível de informações positivas, palavras
bonitas, belas paisagens e boas musicas, para fotografar os cristais. Todos
eles ficaram muito bonitos” (2007, p.104).
Partindo então dessa idéia do Hado
como energia, e que nós somos água, sugiro estarmos mais atentos a nossa
essência e vida e a tudo que pronunciamos. Pois ingerimos aquilo que compõe a
maior parte do nosso corpo, e toda energia contida nessa água reverbera por
toda extensão corpórea. Através da água, modificamos tudo existente em nós e a
nossa volta. Por isso, o cuidado com a fonte de nossa vida, e o que lançamos
nela quando a consumimos deve ser pensado.
Somos responsáveis mais que pela
nossa vida. Somos responsáveis por toda vida existente sobre a terra.
Respeitando, cuidando e conhecendo a água, estaremos respeitando, cuidando e
conhecendo a si e ao próximo. E reconheceremos que somos parte de um todo maior:
“Dar atenção à vida é um modo de irradiar energia... quando damos atenção a
vida, ela recebe energia de que precisa para tomar uma direção melhor” (2007,
p.98).
Como atores, podemos usar todas as
ferramentas possíveis para buscar uma forma mais natural e verdadeira de atuar.
Se conhecer é o caminho de se transformar, de despertar novas potencialidades.
Na natureza, nosso tempo é recuperado e podemos olhar para nós, pois somente
conhecendo é que podemos saber o que existe para em seguida modificar.
3- O ATOR NA NATUREZA: O DESPERTAR DE
NOVAS POTENCIALIDADES
Após lembrar de alguns trabalhos que já realizei, dentro e
fora da Universidade, dentre outras observações feitas em outros grupos de
teatro, dei-me conta de que a maior parte dos
treinamentos e criação dos atores, e as próprias apresentações, acontecem
em estúdios. Algo que limita o ator de experienciar outros espaços, energias, sentimentos, elementos e potencialidades psicofísicas, repassando para o
público também estas novas experiências.
Posso
afirmar, após ter dito uma experiência desta mudança do meio, que realmente meu
corpo redescobriu-se, ampliou-se para novas potencialidades. Esta experiência
deu-se no final de 2007, como
bolsista do projeto de extensão e cultura “Universidade em Cena”, do curso de
Artes Cênicas - UFG, projeto este que propõe o estabelecimento de relações estéticas entre os
alunos-artistas do curso de artes cênicas e a comunidade interna e externa da
UFG. Relações estas que se apoiam em criações artísticas independentes dos
alunos, bem como em espetáculos ligados a disciplinas ou pesquisas
desenvolvidas no curso. Este projeto tem como desafio estimular os alunos a
expandir seus trabalhos para além dos muros da universidade, aprofundando suas
pesquisas e possibilitando que elas venham a tomar novos rumos de investigação,
tornando-as mais consistentes. O projeto propõe para a comunidade a
singularidade que a arte pode trazer para o individuo, provocando-o para que
venha a refletir e criticar a si e ao mundo que o rodeia. O projeto também possibilita
a apresentação da multiplicidade de linguagens que o teatro possibilita em
nossos tempos atuais.
O início de minhas pesquisas deu-se
com minha vontade de experimentar algumas intuições acerca do corpo do ator na
natureza. Tive o apoio inicial da professora Valéria Figueiredo, que tinha
interesse em me orientar num projeto de pesquisa. Como tivemos alguns
imprevistos a professora Valéria não pôde me orientar e indicou o professor e
coordenador do curso Alexandre Nunes para fazer isso, através de um projeto de
extensão que ele estaria abrindo. Nesta época surge o projeto “Universidade em
Cena”, no qual atuei como bolsista PROBEC e PROVEC ao longo de três anos, e onde
organizei um grupo de atores e propus fazermos algumas performances no gramado em
frente à Escola de Música e Artes Cênicas. Criei performances que dialogavam
com elementos da natureza, e foi neste momento que tive a oportunidade de
experienciar algo fundamental, para dar rumo, anos depois, a esta pesquisa, e
certificar a importância do revezamento dos meios de trabalho que o ator atua,
que foi a criação e atuação da performance “Da partida nasce flores”.[1]
A partida era
representada com um corpo que dançava em meio a lama, simbolizando a maior de
todas as partidas: a morte, e em meio a esta dança, em determinado momento, eram
jogadas flores, que simbolizava a
alegria e o recomeço. Em meio a estes
elementos naturais, terra, água, e flores, percebi uma nova experiência
corporal muito diferente das anteriores,
que quase sempre se davam em palcos ou em locais urbanos. Percebi neste contato
com o novo palco (um campo gramado) a relação primeira do homem: a natureza, e
que meu corpo, num momento de estranhamento
com este novo meio (natural/natureza), era obrigado a romper
suas convenções e a sair da sua zona de conforto, para interagir com aqueles
novos elementos, dando aos meus movimentos mais organicidade e multiplicidades.
Percebi uma sintonia com o lugar, conseguimos dialogar e entrar em ressonância.
Meu corpo rapidamente criava uma intimidade com aqueles elementos, dando origem
a novos movimentos. Minha dança tomava novas formas, seguia a melodia vinda de
cada elemento que meu corpo tocava, a qualidade dos movimentos, peso,
equilíbrio e velocidade fundiam-se de forma inusitada; meu corpo reverberava
uma nova vida. Transformamos em só corpo... eu estava de volta a terra, a água,
éramos uma só energia, não havia mais distinção dos corpos. O que o público
presenciava era diferenças materiais que se fundiam formando um corpo comum, um
corpo lama.
Dentro do projeto, neste mesmo ano, co-criei
também a performance Rogai por Ela, onde uma performer sentada em um banco,
fincava seus pés na terra e rezava incessantemente por uma outra performer que
desejava o suicídio, afogando seu rosto numa bacia de alumínio cheia de
água A relação novamente com os
elementos água e terra foram presentes e o público pôde testemunhar belíssimas
imagens flutuantes, onde o corpo das performers embebidos com aqueles
elementos, provocavam um estranhamento entre o humano destituído de qualquer
equilíbrio, perante tanta angustia imposta pelo mundo criado pelo homem. A
natureza surge aparentemente como morte, mas na verdade se transforma em vida.
Pois a performer não consegue cumprir o ato do suicídio. Em seguida, a esta
parte do capítulo, será possível acompanhar o relato das experiências das
atrizes participantes desta performance e de outras apresentadas em outros
momentos do projeto, que de alguma forma mantiveram relação com a natureza, e ajudaram
a ampliar nossa visão sobre o quanto é positiva esta mudança de meio no
trabalho do ator.
No ano seguinte a esta primeira experiência com a natureza, tive também
a oportunidade de cursar o núcleo livre de performance, com a professora Sabrina
Cunha, que durante a disciplina, em um dos seus trabalhos práticos, nos levou para fazer um trabalho de transformação, no meio de
um dos bosques da
Universidade. Este exercício muito me marcou. A professora pediu para que pudéssemos dar início ao trabalho,
tirarmos os sapatos e observássemos alguma árvore que, de alguma forma, comunicava-se com nossos desejos. Após escolhê-la deveríamos nos aproximar dela e sentir sua
energia, antes de tocá-la. Em seguida nos afastávamos novamente e
tornávamos a observá-la. Depois deveríamos nos aproximar e tocá-la,
pedindo licença e com simplicidade tentar reproduzi-la com nosso corpo, através
da energia recebida dela, ou entrar em ressonância com aquela energia e forma e
ser ela, se juntar a ela, fazer parte dela. Enquanto tudo isso contecia,
ela pronunciava aos meus ouvidos um canto mágico, no qual
penetrava em cada micro partícula do meu corpo e me fazia entrar em
sintonia com aquela árvore e conseguir reproduzir no meu corpo cada partícula
daquela árvore, através da força, energia e forma que meus olhos avistava.
Num
outro momento, a professora pediu para que déssemos uma volta pela faculdade e
encontrássemos um lugar/espaço no qual criássemos um diálogo e criasse uma
relação corporal com este lugar/espaço. Meu lugar escolhido foi um curral. No
qual me relacionava com as várias separações (obstáculos) que ele tinha, por um
extenso corredor estreito de madeira. Cada obstáculo que eu passava, perdia uma
peça de roupa. No último obstáculo, perdia minha última peça de roupa que era a
cueca e saía correndo por uma estrada de terra. Minha intenção era mostrar a
vida. Algo simples e sutil. Que na vida, quando fazemos uma escolha, temos
vários obstáculos, e que perdemos neles pedaços de nós, às vezes nos
machucamos, nos ferimos, mas devemos prosseguir até o fim, não desistindo de
cumprir nossos desejos. Cada momento que passava por entre os obstáculos, a
terra misturada com fezes de vaca, afinal era um curral, tocava meu corpo
deixando uma textura corporal e um incômodo que criava quase que
instintivamente a vontade de ficar livre daquele lugar. Isso reverberava formas
singulares de atravessar cada obstáculo, criava uma energia e também um odor,
que criava uma atmosfera na cena. Não tinha nojo, tive uma entrega
incondicional aquela cena, tudo passou a fazer parte do meu corpo, que criava
uma imagem humana animal para quem via aquela cena, ou uma condição animal que
o homem assume sem perceber no seu dia a dia, pela sua ganância, egoísmo e
pretensão.
A partir destas experiências, pulsou
em mim o desejo de buscar um
caminho diferente destes meios atuais de práticas teatrais, onde possa haver um
revesamento destes meios, para proporcionar ao ator, outros caminhos no qual
possam se redescobrir corporalmente. O desejo de descobrir novas possibilidades, em que o ator possa se libertar das
convenções herdadas por estes meios e se abrir e experienciar novas
potencialidades.
A experiência
que proponho e investigo é o
contato artístico com a natureza, que foi
minha primeira mudança de ambiente, e desde já o oposto à dos estúdios,
e que reverberou de forma positiva em meu corpo e em meus trabalho de ator. A natureza, propõe automaticamente uma quebra do ciclo
vicioso, do tempo, no qual a repetição do cotidiano nos marca de uma forma as vezes radical, deixando em nós cristalizações que
nos impede de alcançar novas potencialidades enquanto atores criadores. Além
disso, é pertinente lembrar, que como apresento no primeiro capítulo, esta proposta nos faz resgatar, a relação primeira do homem,
que foi com a natureza, e por sinal, uma relação entre iguais, na qual não há hierarquias e sim uma troca.
Na
natureza, podemos encontrar uma multiplicidade de elementos, como várias
árvores, folhagens, pedras, troncos, cipós, terra, água. E em meio a esta
multiplicidade de elementos, conseguimos vislumbrar um corpo comum. Há um
diálogo entre cada corpo, e de acordo com que cada corpo toca o outro, o outro
de sensibiliza e se preciso cria novas formas abrindo espaço para que o outro
siga seu fluxo natural. Há a todo momento uma troca, e estes assumem várias
formas para que o fluxo de cada um não seja interrompido.
Em
contato com esta realidade, podemos reconhecer o quanto interrompemos
constantemente o fluxo natural de nosso corpo, o impossibilitando de assumir
novas formas, força e energia. Em contato com a natureza, podemos reconhecer
nosso corpo como múltiplo, e como fluxo constante e interrupto, Olhar para cada
imagem que a natureza oferece, cada cor, cada som, nosso corpo dialoga sem
fazer muito esforço. Só temos que ouvir, sentir, enxergar, não negar o que nos
passa. Superar a ansiedade que o tempo e o meio urbano nos impregnam. Ao
olharmos para a água, e vermos nossa imagem refletida, percebemos que somos
ela, e que podemos assumir toda e qualquer forma que desejarmos. Sua
sensibilidade desperta emoções, sensações, o corpo naturalmente reage e busca
formas de comunicar com aquele meio, o que naturalmente rompe com nossas
cristalizações, abrindo caminhos para a descoberta de novas potencialidades,
desde corporais a novas estéticas de encenação. Podendo criar atmosferas,
cenários e elementos de cena com elementos da natureza. O que trará vida e nova
proposta para o teatro convencional e para o público, testemunha deste
acontecimento.
3.1-RELATOS E EXPERIÊNCIAS
Relato
da Performer Renata
Weber (Estudante do último ano do curso de
artes cênicas- UFG) das cenas “Espelho de Vênus” e “Rogai por ela”
O elemento que fez parte das duas experiências minhas foi a água, duas experiências completamente diferentes,
começando pela escolha do espaço cênico.
A primeira, sem um título próprio, já que compunha junto com
outras cenas um espetáculo, foi criada e experimentada no palco italiano, com
todos os recursos que o edifício teatral oferece.
A cena era composta por dois focos de luz, em cada foco, uma
atriz e uma bacia d’água, na primeira bacia a água pura, limpa, na segunda a
água era tingida de vermelho para simbolizar o sangue.
A água estava posta ali para que banhássemos nela o filho que
acabará de nascer, o momento mágico do primeiro banho de um bebê. As mães
representavam os sentimentos opostos por conseqüência do nascimento que acabara
de acontecer; o amor e o encantamento do parto de uma mulher que
verdadeiramente deseja o que esta pó vir e a outra mulher sem conseguir admitir
a chegada do novo ser gerado por ela.
O elemento água nessa cena foi utilizado em momentos
distintos com finalidades distintas: 1) no primeiro momento a água banhava o
corpo da personagem preparando-a para o parto. 2) no segundo momento participou
ativamente a cena, como que se transformasse em um personagem, recebendo o
feto. 3) e no fim banha o corpo do bebê.
As cenas acontecem simultaneamente, destacando a forma
amorosa com que a primeira mãe realizava a ação e a forma cruel com que a segunda
maltratava o que seria seu filho.
Nessa cena em particular a água auxiliava na formação de
imagens, quando molhava o corpo, a face, os cabelos, a água escorria pelas
minhas formas me dando a estética do suor advindo da excessiva transpiração que
um parto normal provoca.
Além de deixar o palco do teatro com pequenas poças de água
nas quais a luz dos spot’s refletia, dando um brilho, uma atmosfera mágica,
mesmo que artificial a cena.
O segundo contato com a água veio na performance Rogai por ela, essa por sua vez foi
encenada ao ar livre, na maioria das vezes sobre a terra ou grama.
Neste caso a água se “objetificava” e o efeito estético
produzido, era conseqüência d ação repetida que constituía a cena. Eu não
manipulava mais a água, não a trazia até mim, eu é que, agora, me direcionava a
ela em busca da liberdade.
Era a água que tiraria a vida da personagem, dando a ela a
paz que o falso moralismo tanto lhe negava. Se a água, na primeira cena, trazia
à vida, agora ela era responsável por tirá-la de alguém.
Mas os efeitos da moral estavam tão arraigados que a
personagem se frustrava a cada tentativa, com a cabeça submersa na água e a
falta de ar nos pulmões reverberava a inquietude de um corpo já sem vida, sem
vida não no sentido literal, mas sim referente à falta completa de tonicidade
física.
A água que molhava o chão a cada desistência da personagem,
se misturava a terra e a grama e manchavam o vestido brando, sujavam a moram
daquela jovem que por vezes tenta o suicídio, ao final de cada tentativa mais uma
marca se prende ao corpo dela, no fim, vestido encontra-se imundo, tanto quanto
sua moral frente à sociedade.
Como o teto a cima de nós era o próprio céu, experimentei
duas situações distintas: na primeira o sol forte (sol do meio dia) em contato
direto com a água que estava em uma bacia de alumínio, o fazia ferver e a pele
delicada do rosto ruborizava-se e até levemente feria-se com a temperatura,
causando arrepios no corpo.
Em outra situação pequenas gotas de chuva caíram
sobre a cena deixando por sua vez a água mais sedosa e delicada, o contato com
ela era quase que um carinho nas bochechas.
Relato
do ator André Moura (estudante do segundo ano do curso de artes cênicas-UFG) da
cena Reino da Pedra Fina
No segundo
semestre de 2009 dentro da disciplina oficina do espetáculo, que é uma
disciplina prático-teórica, e que neste ano foi ministrada pelos professores
Kleber Damaso e Natássia Garcia, se deu inicio a construção de uma cena/performance, para
montarmos para um espetáculo coletivo entre os alunos. A partir de uma
experimentação de idéias e alguns diálogos, me juntei a mais três colegas de
turma (Allan Santana, Larissa Sisterolli e Mariana Peixoto) para fazer uma pesquisa
sobre diversos assuntos que compõe a formação de religiões afros e seus sincretismo religiosos.
As primeiras
manifestações que fizemos, depois de termos explorado alguns assuntos ligados a
terreiros, os canoeiros e sua sobrevivência junto ao mar, a sereia e emfim os
traços que compõem toda uma caracterização de uma ritualidade existente em um
Brasil de todos os santos, ritmos e movimentos. Foi apresentada no teatro da
Escola de Música e Artes Cênicas- EMAC, e logo em seguida descobrimos e
chegamos a um consenso que a cena não foi criada e também não cabia dentro de
um espaço de concreto.
Apresentamos
a nossa cena que se fez parte do espetáculo Gosto do espelho d' água, no
ii FUGA- Festival Universitário de Artes Cênicas de Goiás, e o espaço onde se
foi apresentado (Martim cerêre), era um local aberto, com algumas arvores, mas
mesmo assim sentimos e pensamos na necessidade de que a própria cena pedia a
sua liberdade para estar em seu verdadeiro lugar... A natureza.
A convite do
bolsista/aluno do Universidade em cena, Diogo Sanquetta, que nos chamou para
participar de uma apresentação no Entardecena, que foi um projeto dentro do
Universidade em Cena, que tinha a proposta de fazer ceans ao entardecer, em
lugares externos da Unversidade, onde o público pudesse ter diversos olhares
sobre o por-do-sol. Nesta proposta, nos apropriamos ao lado/dentro de um
bosque, que por si só, já trazia uma verdadeira energia repleta de verde e vida.
O espaço em que nos transportamos foi totalmente mágico, uma verdadeira
alquimia de uma transformação e reesignificação de um estado para outro. Sentimos a diferença e a reverberação
que o lugar e as suas forças proporcionava aos nossos corpos e sentidos. Um dos
personagens em que eu estava estava trabalhando (Onça Divina), senti que
naquele momento de descoberta eu realmente o tivesse intrego para a verdadeira
forma de ser, para a sua vida na “selva”. A nossa contemplação se fez em quase
todos os sentidos/sentimentos, o canto do pássaro, o balanço da arvore com o
vento, as folhas e galhos no chão, despertavam e acionavam instimulos internos,
que trazia uma sensação de descobertas para os personagems que em tempos atrás
esteviveram pressos em lugares que nunca
lhes perteceram.
Este caminho
e no momento da apresentação descobrimos um monte de signos e, dentro deles,
contemplamos determinados lugares do nosso próprio corpo. Um dos elementos que
se fez presente na minha vivência e que de alguma forma tive que superar foi o
medo. Ao entrar no bosque, e com os traços já estabelecidos do “meu” personagem pensei em começar a cena
descendo de cima de uma arvore, senti um pânico tremendo por cobra, um medo que
me fez em primeiro momento sair correndo da bosque. Depois em um ato ritualistico pedi licença pra
mata, para entrar e fazer o que teria que ser feito e tudo que ela guardava
para nós que estavámos ali para celebrar e saldar as suas forças. Quando
consegui subir em cima da arvore, com o apóio de um cipo tive sensações tão
agradáveis que trouxeram uma fluição bem maior para o trabalho. Parecia que já
fazia aquilo há tempos, e tudo foi uma questão de vencer o medo e sentir todo o
fluxo de energia que se fazia naquele momento, apenas contemplar o silêncio.
Em cena,
sempre tinhamos a participação e a intervenção em tudo que fazíamos ao nos
movimentarmos, pisar nas folhas secas, um canto de um pássaro, o entardecer com
a chegada da noite. Todos estes ritmos externos servirão/trouxeram condições
para regularizarmos o nosso ritmo interno, que a cada dia deixamos nos
influenciar com as diversas ansiedades que carregamos nos nossos dia-dia,
dentro das grandes cidades e todas as fumaças, medos, insônia e estresses.
Destaco também o poder que a palavra teve em nossas ações,
escorrendo por todo o corpo, a palavra trazia gestos e músicas. Criamos
praticamente um novo texto a partir de cada palavras que estava enraizada em
nós mesmos, elas já nos acompanhava desde sempre, sendo preciso apenas respirar
para que tudo brotasse e fluísse “normalmente” dentro daquele espaço.
O caminho para se chegar até a nossa
cena/performance se fez de uma forma etinerante, pois o publico já havia
acompanhado outras performances em espaços diferentes. E esta fragmentação das
performances transformou em uma energia todo este espaço, cada um de nós
(atores/atrizes) pode descobrir dentro do seu intimo aquilo que lhe pertence,
como ator, e como vida, pois nada se
separa. Parecido com a natureza que cria uma simbiose perfeita com o mundo, e
assim estamos neste embrião de sentimentos que se cria a arte.
Relato da Performer Letícia Lemes (Estudante do último ano do curso de
artes cênicas- UFG) da performance “Um olhar para o ventre da Terra”
Desde pequena tenho uma ligação muito forte com a natureza,
dessa forma sempre tive muito respeito por ela, pois acredito que ela sempre
fez parte de nós, é parte integral do ser humano. Assim sendo, em tal
performance tive a oportunidade de ter contato direto com uma das
representações da natureza que mais me encanta: A terra e a flor.
Antes da primeira apresentação tive a preparação feita pelo
Diogo Sanquetta, o qual idealizou toda a performance. A primeira preparação foi
feita em um formato ritualístico, com música, ações predeterminadas e incenso.
Esse formato deu um ar de concentração ao treinamento, tornando a atmosfera
mais propícia a um bom “ensaio”.
Foram feitos abdominais, flexões e várias outras formas para
obter a resistência corporal. Todo o treinamento foi feito com o auxílio de
música, o que pessoalmente me ajuda como atriz, tanto na concentração quanto no
processo criativo de partitura corporal.
Foi trabalhado também, a sustentação do encaixe do quadril
(cochí) durante todo o exercício. Foi utilizado um bastão grande que foi
colocado verticalmente na linha da coluna, onde foi segurado com uma das mãos
na altura da cabeça e a outra na altura do quadril, encostando dessa forma o
bastão na coluna. Com ele foram feitos vários movimentos corporais a partir da
música, depois que eu consegui ter a consciência da linha reta nas vértebras o
bastão foi abandonado, dessa forma os movimentos foram continuados.
O processo foi tão intenso que tive a sensação que a música
fazia parte de mim, que eu e ela éramos uma só, mesmo que, ainda, não estávamos
em espaço natural, de forma que o treinamento foi feito em estúdio.
Já no segundo treinamento Sanquetta fez algumas demarcações
para a performance, já com a flor, que no caso era um girassol, trabalhando o
lento e a resistência. Como eu não estava conseguindo fazer as demarcações com
êxito, pois, segundo Sanquetta, eu e flor não éramos uma só, como era a
proposta, ele pediu para que eu ficasse em frente ao espelho e criasse uma
relação com ela. Essa parte também foi feita com o auxílio da música, consegui
criar a relação com ela quando a observei como parte de mim, sendo parte de mim
ela também era eu. Olhei-a como um ser humano, com defeitos, mas nem por isso
feia, e assim a amei, por que ela era eu. O objetivo do exercício foi alcançado
com êxito, pois, segundo Sanquetta, a performance se efetivou como foi
proposto.
No dia da apresentação tive contato com a terra, o que até
então não havia acontecido. Apesar de
ter esse contato apenas no dia da apresentação, a terra como sugador de
energias negativas, trouxe paz à
performance (o termo paz está no
sentido de trazer fluência aos movimentos da performance) trocando energia com
meu corpo, o qual estava buscando o enraizamento com a mesma. Essa era uma
tentativa de transformar meu corpo a flor, que estava em minhas mãos, e a terra
em um só corpo, objetivo que foi efetivamente alcançado. O início da
apresentação não tem o acompanhamento da música, como o auxílio da música me
deixa mais segura fiquei um pouco apreensiva, mas a terra me deu segurança pra
execução inicial da performance, pois minha relação com a terra era de ventre e
feto, eu o feto e ela o ventre, sendo eu criança estava segura nos braços de
minha mãe. Quando a música se iniciou a atmosfera se modificou e a performance
teve um crescente, meu estado de concentração aumentou e minha relação com a
terra e a flor também.
Em outra apresentação da performance o espaço se modificou
completamente, agora realizei parte dela em cima de uma escada de madeira.
Apesar de eu ter feito sem o acompanhamento da música, tive o auxílio de outras
formas da natureza, o vento, o sol e a grama, tais figuras também conseguiram
me levar ao estado concentração elevado. Também não tive contato direto com o
chão no decorrer de toda a apresentação, pois iniciei tal performance na grama,
mas subi para as escadas iniciando minha dança pessoal no topo dela, dessa
forma fui descendo um degrau de cada vez, nesse momento (“sem o chão”) o vento
foi um elemento importantíssimo para a atmosfera da apresentação, pois criei
uma dança com ele.
4- RASTROS NO CAMINHO
Logo que desejei investigar a relação homem/ator com a água e
a natureza, acreditei que poderia fazer um panorama, por alguns artistas que de
alguma forma entraram
em ressonância com meu desejo e rastros deixaram na minha
arte. Além de suas obras de
alguma forma reverberarem em meu corpo,
poética e estética artística,
me despertaram também o desejo de levar meu
trabalho artístico para a natureza ou trazê-la de alguma forma para meus
trabalhos em estúdios, ou palcos convencionais. Artistas que muito contribuíram
para minha arte singular e para minha atual pesquisa. Sei que existem ainda
outros artistas que também de alguma forma trazem em seus trabalhos esta
proposta, mas não vejo pertinência em falar sobre eles, devido não ter tido uma
experiência com seus trabalhos. Percebi num primeiro momento, que estes
artistas que dialogaram comigo de alguma forma, não explicitam ou justificam a
escolha por realizar alguns de seus trabalhos em meio a natureza ou o porque de
levarem alguns elementos da natureza para cena. Mas investigando, foi possível
registrar alguns momentos em que falam da natureza como ciclo vital e da
necessidade fundamental do contato do artista com este meio. Observo que a
natureza aparece como treinamento e como elemento de cena. O
meu primeiro contato com esta poética da natureza foi com a dança-teatro de
Pina Bausch, após ver alguns vídeos na internet e fotos no livro “Pina Bausch”,
de Fabio Cypriano, pude perceber o uso de elementos da natureza em cena, em
diálogo com seus dançarinos atores. Relato seu espetáculo Vollmond, onde o
elemento água se faz presente e apresento fotografias de outros espetáculos,
onde é possível observar e apreciar outros elementos da natureza, colocados em
cena. No
espetáculo Vollmond, o elemento água aparece inicialmente como chuva, e a medida que cai ocupa o palco
e forma um lago ou o mar. Do lado direito do palco tem uma grande pedra, o que
aparenta ser uma praia. Os bailarinos dançam com seus repetitivos movimentos e
dialogam com a água. Vivenciam junto ao público o contato com este elemento que
influencia na tonicidade e peso dos seus corpos e dos movimentos, quando se
arrastam pelo chão cheio de água, ou quando saltam de cima da pedra, ou quando
arrastam as cadeiras pela água. Vivem uma liberdade tamanha, se divertem em
meio aquela água que praticamente ocupa todo palco. Trajam roupas sociais, que
nos abre a reflexão entre sociedade e a essência humana, através da diversão
que praticam naquele universo natural levado para o palco. Além de propor ao
público um clima e uma atmosfera úmida, que com certeza reverbera de forma
singular e significativa em cada pessoa ali presente na platéia. Abaixo apresento três fotos de
espetáculos, onde Pina Bausch leva também a água e elementos da natureza, como
flores para compor sua encenação. Estes elementos para mim, além de criar uma
proposta estética, desperta em quem vê uma ligação original com aqueles
elementos. Que estamos tão acostumados a vê-los em outros lugares e as vezes
passamos desapercebidos. Além de possibilitar inúmeras singularidades poéticas.
Figura 14- Lutz
Forster no espetáculo Cravos-1982 (CYPRIANO, 2005, p.64)
Figura 15- Andrey
Berezin em Um jogo triste-1994 (CYPRIANO, 2005, p.73)
Figura 16- Regina
Advento em O limpador de vidraças-1997 (CYPRIANO, 2005, p.76)
Outro
contato com a natureza, que tive e muito me marcou, foi com a dança butoh, onde pude encontrar uma grande influência da natureza em suas
práticas, e até mesmo conhecer duas praticantes. Minha professora Sabrina Cunha,
na qual citei no capítulo anterior que me apresentou Maura Baiocchi,
através de textos sobre butoh em algumas de suas aulas.
O butoh é uma dança que não busca conceituar-se. Pois
qualquer conceituação correria o risco de realmente não transmitir algo que
abranja sua total dimensão enquanto proposta
artística. Dentro de alguns livros,
artigos e sites visitados, é possível descrever um pouco da história e da
proposta do butoh. Esta dança surge de uma crise de identidade que marcou o
Japão num período pós segunda guerra mundial, na década de 60, com Tatsumi
Hijikata e em seguida por Kazuo Ohno, onde ambos são considerados percussores
desta dança. Hijikata, foi o percussor da face sombria desta dança, logo que em
seguida Ohno busca a luz além das trevas em sua dança. Esta dança veio para
quebrar alguns padrões e convenções artísticas da época, e também contra o
esquema tradicional da dança, não buscava
movimentos ideológicos ou políticos,
sofre grande influência do expressionismo Alemão. Hijikata e Ohno,
ambos considerados os pais desta dança, estavam impregnados pelas paisagens e
pelas forças da natureza, por terem ambos vindo do campo. O butoh não tem como
proposta criar convenções coreográficas, e sim rompê-las de forma com que o
corpo reaja aquilo que é essência, ampliando os horizontes do pensamento sobre
a real condição do homem enquanto ser
universal. Trabalha ainda para uma libertação e expansão das consciências. O
butoh é uma dança, mas que não se desvincula do teatro, pois é uma expressão
cênica, e também é performance, pois trabalha com a arte do improviso e do
acontecimento em tempo real. “ O butoh traz em si uma conotação multicultural”
(BAIOCCHI,1995,p.89)
O
butoh é como a vida sendo gerada no ventre materno. A energia e os mecanismos
da vida e do butoh são os mesmos. O mundo do butoh deve ser aquele do ventre
materno. (…) As origens do butoh estão em uma terra selvagem habitada por
espíritos elementares, que a mente racional não pode alcançar” (BAIOCCHI,
1995,p.18)
É possível estabelecer
de forma mais clara, a relação do butoh com a natureza, quando Baiocchi escreve
em seu livro “Butoh: Dança Veredas D'Alma”
Os
elementos básicos da vida- terra, fogo, ar, água-, imagens da natureza como
tempestade, vento, luz do sol, etc, eram usados
para inspirar formas que iam sendo classificados na tentativa de desenvolver
um método e uma técnica coreográfica e diretiva (BAIOCCHI, 1995, p.33)
Esta mesmo idéia ou pensamento butoísta é confirmada também,
com uma publicação de João Roberto de Souza para o Jornal Dança Brasil:
O butoh recupera a vitalidade e a força do corpo, de um
espaço, de um corpo domesticado pelas atividades cotidianas e esmagado pelas
regras estabelecidas. O desenho de cada gesto é simbólico. Ele estimula ideias,
associações e emoções tramando uma visibilidade: As intensidades, os afetos que
atravessam os corpos, a música, os movimentos, são expressos através dos
gestos. O corpo é o veículo de expressão dos elementos vitais: terra, água,
fogo e ar (SOUZA, 19/06/2010)
É possível
perceber desde o surgimento desta dança, que a experiência e realidade do homem
se materializa no corpo, ou seja, a arte materializada é simplesmente a
experiência do ser com os elementos naturais que o antecede, e com o resgate de
suas origens e realidade, o que podemos fazer ponte com o homem e a água. O ser
e sua essência. Identifico na experiência de Baiocchi com o butoh, em
específico quando descreve em seu livro, um momento de seu trabalho prático com
Ohno, algo que ao meu ver, cria esta proposta de interrupção ao qual proponho,
não específico de quebra de espaço, ou do meio de trabalho, mais das convenções sejam elas quais forem, o que
expande minha sugestão, do qual acredito ser um princípio para que realmente
ocorra uma transformação corporal. Sobre este pensamento ela diz:
Pressupõe uma enorme disposição para uma “faxina” mental e
espiritual. Para realizar o verdadeiro encontro com o butoh ou a dança, em seu
estado mais puro, é necessário em primeiro livrar-se de todas as formas
preestabelecidas por si mesmo, ou impostas por outrem (BAIOCCHI, 1995, p.47-48)
O que eu
acrescentaria ainda uma “faxina” corporal (momento em que devemos retirar o que
é velho, cristalizado de nosso corpo, deixando limpo, branco ou vazio para que
novas potencialidades brotem naturalmente seguindo sua necessidade e desejo,
para que haja um encontro do ator com sua essência e dança), completando a “tríade corpo, mente e
espírito”.
A performer e atriz Maura Baiocchi, é brasileira e atualmente dedica-se à sua companhia Taanteatro. Em
2009, durante o FUGA (Festival Universitário de Artes Cênicas de Goiás), onde
eu era monitor, pude ter um contato direto com Baiocchi e com seu trabalho.
Trouxe para o Festival fragmentos de seu
espetáculo “Frida Callo”, e juntamente com Wolfgann, que dirige juntamente com ela a
Companhia Taanteatro, propuseram uma palestra e diálogos sobre seus respectivos
trabalhos na companhia e os métodos desenvolvidos por eles, como preparação de
performers. Durante o festival pude ter alguns momentos de diálogos com ambos e pude esclarecer algumas dúvidas sobre o trabalho que
desenvolvem, e particularmente realizar um desejo, que era de conhecer Baiocchi
e algum trabalho seu.
Neste mesmo momento, fui presenteado
com o Livro “Taanteatro: teatro
coreográfico de tensões”, onde
pude conhecer alguns exercícios proposto pela companhia que são realizados no
meio da natureza. Ou seja, a natureza como treinamento de atores e criação
artística também. Neste livro apresentam
como proposta, esta mudança de meio no trabalho do ator, acreditando que a
mudança poderá ampliar
a pentamusculatura[2] do
ator e também
servirá como libertação da mente
e do corpo, da energia e influência dos locais cotidianamente utilizado em suas
criações.
Junto ao trabalho ou treinamento fechado em um estúdio, é
extremamente importante nos jogarmos na existência e na natureza por vocação,
com todas as nossas musculaturas visíveis e invisíveis. Assim não só ganhamos
tônus, mas a vida também e por tabela, o público. (BAIOCCHI, PANNEK, 2007,
p.142)
Ao analisar as propostas da companhia, encontrei três dos
exercícios propostos, que por registros de fotografias no livro, é possível
visualizar este contato do corpo com a natureza, onde os descrevo a seguir,
apresentando também fotografias para que sejamos testemunhas da existência
desta experiência e proposta da influênicia das forças e energias da natureza
na prepararação do ator e de suas criações.
Primeiro
podemos conhecer um pouco sobre a Mandala de energia corporal: que é uma
prática de criação, que serve de veículo para tonificar, harmonizar e expandir
a pentamusculatura com prazer e lucidez. Este processo conduz os atores em
exercícios de respiração, alongamento, flexibilidade, intra-tensões,
visualização, improvisação e as práticas do olho interior (ou terceiro olho) e
dos sons do corpo.
Esta prática
proporciona aos praticantes, uma maior disposição psicofísica, no qual os
libertam para n ovos movimentos
corporais, diminuindo suas ansiedades e
emoções
cotidianas. Quem pratica esta mandala, torna-se mais
confiante em sua capacidade criativa e na dos outros que participam a sua
volta, expandindo assim sua percepção corporal.
Em seguida,
temos a a Caminhada: que é uma proposta de deslocamento pelo espaço, onde se
cria um percurso de ir e vir, estando atento a forma lenta de deslocar-se.
Assim envolvidos com o mover-se lentamente, irão conseguir obter uma maior
concentração e o controle das ansiedades, devem ainda atentar-se para como o
corpo reage aos afetos que vão surgindo. Esta caminhada dura entre 30 a 40
minutos, e também pode ser realizada em estúdio.
E em
terceiro, temos o Rito de passagem:
O rito de passagem é uma forma de cerimônia coletiva de
caráter parateatral que intensifica processo psicofísicoa de reflexão, com a
finalidade de iniciar ou realizar a passagem de uma situação ou vivência
conhecida por outra nova e atual. (…) Um rito é concebido coletivamente, mas a
favor de um protagonista, com vistas a ampliar o limite do imaginário
individual, atualizando-o por meio de um procedimento cênico coletivo em função
da vontade do protagonista a ser ritualizado. È uma travessia no plano dos
espaços pentamusculares que colabora para a ampliação dos limites psicofísicos,
densos e sutis. Proporciona abertura e amplitude de conceitos, pontos de vista
e perspectivas, aumenta a confiança em si e nos outros (BAIOCCHI, 2007, p.146)
Neste rito de passagem, uma protagonista escolhe a forma em
que deseja passar de um estado conhecido para outro estado de novas
descobertas. Esta pessoa cria todo um roteiro, apontando tudo que precisa para
a realização do seu rito, direciona tarefas aos demais participantes de acordo
com sua proposta, escolhe um local para a prática do rito, onde poderá ser um
lugar fechado ou ao ar livre. (Na maioria das fotos que pesquisei, os ritos são
feitos na natureza). Não costuma determinar o tempo para cada rito, mas duram
em torno de uma hora, uma hora e meia. Antes de iniciar o rito, a mandala de
energia é realizada como preparação. Neste trabalho coletivo, todos devem
“entrar de cabeça”, ficando atentos ao ego para que não quebre o fluxo do
grupo, ele não deve ser negado, mas dosado, deve existir uma generosidade
consigo e como outro.
Nestes três
exercícios propostos pela Taanteatro, é perceptível que ocorre um revesamento
nos meios de treinamento, há uma variação, entre estúdio e natureza, que
favorece o ator/performer. Após esta análise e apresentação destes exercícios,
podemos concluir que o corpo, com esta variação do meio, não se compromete
tanto a cristalizações e
se abre para novas possibilidades corporais. Além de analisar quando falam
sobre a pentamusculatura, que muito me lembra da diversidade que a natureza nos
propõe, conseguindo ainda mesmo em meio a tanta multiplicidade criar uma
unidade. Percebe-se que a natureza como
treinamento e como atmosfera cênica propõe uma linguagem que de alguma forma
comunica com um coletivo. Talvez porque ela traz consigo, um sentimento comum
da origem de um povo, de uma cultura. Ou também por sua energia estar em equilíbrio
e conseguir entrar facilmente em ressonância com as múltiplas singularidades
humanas, fazendo com que cada um que atua, tanto ator como público, dialoguem
de alguma forma com a proposta cênica apresentada no meio da natureza ou com
algum de seus elementos postos em cena. Deixando ai sua colaboração positiva
para o homem e para o ator.
5- MINHA MÃE MEUS PAIS - MINHA EXPERIÊNCIA “EM
PERFORMANCE”
Minha
experiência para a performance “minha Mãe, meus Pais”, foi para mim algo quase
que inexplicável e possível de ser descrito, acredito muito no acontecimento, e
assim sendo temo não suprir a dimensão da minha experiência e de quem me
acompanhou no meu processo.
Para
que minha experiência em meio a natureza acontecesse e eu pudesse criar minha
performance, planejei inicialmente me isolar durante dois dias na cidade de Santo
Antônio, interior de Goiás, onde o ritmo e energia do lugar é outro
completamente diferente da grande cidade de Goiânia, o que consegui cumprir.
Mas juntamente com esta proposta, eu criei um cronograma a ser cumprido.
No
primeiro dia, iria para um córrego, onde julguei mais interessante para esta
parte do trabalho, por ser água corrente pela energia estar em movimento e
seguir seu fluxo natural. Programei inicialmente as seguintes atividades: num
primeiro momento, por volta de uma hora, me colocaria a receber a energia do lugar. Sem entrar na água, e em silêncio,
buscaria esvaziar os pensamentos, o corpo. A respiraração deveria
tranquilizar-se, deveria sentir e receber tudo que o lugar tinha a oferecer.
Entraria numa meditação e observação do lugar, seus sons, suas imagens, sua
força e energia. Num segundo momento, programei entrar na água e sentir sua
energia, verificaria seu peso, e deixaria com que sua energia fluísse em
ressonância com a do meu corpo, não buscando formas, somente sentir tudo que aquele
momento tinha para lhe presentear. Por enquanto receberia tudo, estando aberto
e sem pretensões, buscando ouvir, sentir. Esta segunda parte se possível também
deveria durar uma hora.
Num segundo
momento, dentro da água, numa parte mais rasa, onde desse para se sentar, pronunciaria meus desejos à água e a
natureza, como se entoasse um mantra, deveria pronunciar palavras positivas. Uma mesma
palavra deveria ser pronunciada por várias vezes, a medida que fosse entoando,
poderia criar uma melodia se sentisse necessidade, não negando os instrumentos
naturais da natureza. Lembrando que cada palavra pronunciada iria reverberar no
meu corpo uma reação, propus também ser feito por uma hora. Em seguida por mais
uma hora, deveria entrar na água e dançar, neste instante eu já sentiria sua
energia, criando um diálogo com ela, deveria compartilhar da sua energia e de
seus desejos. Agora o reencontro das águas do meu corpo iria fundir-se com a
água corrente da natureza. Deveria criar um diálogo, deixando fluir pelo corpo
a energia coletiva das águas, deixando-se levar, dançando e sentindo a
liberdade existente na sua essência.
Assim era o programado para o
primeiro dia de trabalho. Juntamente com meus amigos Taiom Tawera e André
Moura, que iriam me ajudar registrando meu trabalho. Partimos seguindo ruas
ainda dentro da cidade, e logo entramos na estrada de chão. Seguimos caminho a
fora, até que percebemos que algo estava por vir. O céu fechava-se, e uma chuva
estava por vir. Mas acreditávamos que seria passageira e que às vezes nem
cairia, pois ventava muito. Continuamos a caminhada até que o esperado
aconteceu, uma forte chuva caiu sobre nós, já estávamos quase próximos do nosso
destino, mas preferimos para num casebre no meio do caminho e esperar a chuva
acalmar-se, pois para chegarmos até o córrego tínhamos que descer por descidas bem íngremes de terra, que
possivelmente estariam bem escorregadias. Ali paramos e nos pusemos a esperar.
Vendo aquela chuva cair, as poças e enxurradas que formavam pelo chão a fora,
algo reverberou em mim para que iniciasse meu trabalho ali, naquele momento.
Afinal era água, e pouco tocada pelas mãos do homem, que é o principal elemento
constituinte da minha pesquisa, além de muito me identificar com este fenômeno
da natureza, que ao meu ver muito transforma, por onde quer que passe.
Tirei a maior parte das minhas
roupas, disse aos meus amigos que iniciaria meu trabalho. Saí debaixo da
varanda do casebre onde nos escondíamos da chuva, e fui ao encontro dela.
Apenas me propus a senti-la, e apreciar a paisagem que meus olhos avistavam.
Todas as árvores dançavam com o vento e com a chuva que caía por entre suas
galhas. Meu corpo reverberava pequenos impulsos e tensões. Tentei inicialmente
apenas sentir aquela água que banhava meu corpo. Sentia um limpar da minha
mente e do meu corpo, ela parecia literalmente lavar, renovar e transformar.
Mas fui percebendo que não estava completamente aberto para aquele momento,
minha ansiedade estava latente e de alguma forma prejudicava a experiência que
aquele momento me propunha Tinha comigo ainda que deveria ser fiel ao
cronograma, e estava com medo da chuva não parar para eu ir para o córrego.
Nestes momentos em que a ansiedade surgia, lembrava de respirar mais lento, o
que sentia que me equilibrava.
A chuva não cessava, muitos trovões
ressoavam graves estrondos, onde sentia meu corpo se tencionar e pesar mais do
que somente com a chuva e o vento. Meus músculos levemente se contraiam, e
sentia meu corpo querendo se fechar, quase que imperceptivelmente. Aquele grave
som vibrava de forma contida no meu corpo.
Inicialmente estava de pé, e tudo
aparentemente estava se tranqüilizando. Após algum tempo, senti completamente
enraizado naquele chão e me abaixei em posição de cócoras. Fiquei um tempo
nesta posição e depois me sentei no chão de pernas cruzadas, como posição de
lótus. Sem passar muito tempo, comecei a sentir uma energia estranha da
inicial, rondando meu corpo, uma energia com freqüência diferente da que eu
havia conseguido ali alcançar. Comecei a salivar muito, e cuspir quase que sem
parar, comecei a sentir um forte enjôo, minha cabeça começou a doer, e senti
energias que por ali passaram e que não pareciam muito positivas, parece que
aquele lugar meio que se escureceu. Não sei explicar o que aconteceu, parece
que entrei no ventre da terra e senti suas angustias. Percebi que mais uma vez
o homem com seus anseios e pretensões conseguiram deixar sua marca naquele
lugar. Que a meu ver não se regenera por ali ser um lugar de fluxo constante de
pessoas. Ali encerrei meu trabalho, não consegui prosseguir pelo meu mal estar.
Esperamos a chuva acalmar e descemos para o córrego.
Uma aventura se iniciou ali, fazia
tempos que não íamos naquele lugar, e a mata estava bem fechada, quando
chegamos ao córrego, pelo fato de ter chovido, ele estava marrom. A terra do
fundo tinha se misturado com toda aquela água, e muitas plantas da beirada,
tomavam lugar em meio a água. Assustei-me um pouco, e tive medo. Temia que
pudesse ter cobra, ali dentro e eu não veria, pela cor da água. Mesmo assim,
atravessamos pelo meio da água para chegarmos do outro lado e deixarmos nossas
coisas.
Logo dei continuidade ao meu
trabalho, procurei uma parte mais rasa para que pudesse sentar e comecei a
apreciar aquele lugar, cada planta, cada som, a água seguindo seu percurso.
Tentei seguir o cronograma que havia feito para este primeiro dia de trabalho.
Só que tendo em mente reduzir o tempo, por não ter muito mais tempo antes do
anoitecer. Após apreciar e sentir o que aquele lugar tinha para me oferecer,
comecei a pronunciar algumas palavras. A primeira foi paz, a primeira vez que
pronunciei, foi como uma palavra mágica, escutei bem próximo um pássaro
emitindo um belo som, foi como uma resposta. Ele emitiu e calou-se. Pronunciei
novamente a palavra paz, e ele novamente respondeu assim se fez por oito vezes.
Procurei pronunciar cada palavra oito vezes por me identificar com este número,
o considerando símbolo do infinito. Após completar a oitava vez, mudei de
palavra e o pássaro não mais cantou. Aquilo me despertou uma ansiedade e certo
medo, pensando o que viria com as próximas palavras. Então resolvi já pensando
que poderia ter uma nova resposta, pronunciar a palavra coragem, pois o medo
começava a tomar conta de mim. Assim prossegui, colocando agora a mão na água,
e pronunciei coragem. Meu Deus! O que foi isso? Gritei e saltei para fora do
córrego em menos de um milésimo de segundo. Levei uma picada ou ferroada não
sei, em um dos meus dedos, julguei ser uma cobra. Para meu espanto o Taiom e o
André não estavam por perto, o que me incomodei ainda mais, não havia percebido
eles se afastarem de mim. Mas lembrei de que havia dito a eles para procurar
ficar em silêncio para não interferir no meu trabalho, mais não imaginei que
sairiam ali de perto, até mesmo porque tinham que fazer registros fotográficos
e filmagens.
Naquele exato momento uma frustação
tomou conta de mim, olhava para aquele córrego e não consegui mais me ver
entrando ali, o medo tomou conta de mim e me considerei um fracassado. Afastei-me
dali e fui procurar meus companheiros. De longe os avistei, estavam num campo
gramado e cheio de cupins, logo acima de onde eu estava. Aproximei-me e
contei-lhes o acontecido. Escutaram-me em silêncio, após acabar de contar, meu
companheiro Taiom me perguntou se eu não queria dar uma andada para
tranquilizar-me, disse a ele que sim. Saímos e fomos conversando. Até que ele
me disse: “maninho, você está mais chateado, por não ter cumprido o cronograma
não foi?”, respondi que era sim. Ele prosseguiu: “o que atrapalha o ser humano
de ter experiência é criar expectativas das coisas e pessoas. Você não teve uma
ótima experiência com a chuva? Você já não conseguiu absorver várias coisas
deste lugar desde que chegou? Não negue estas experiências, elas sem dúvida
alguma te servirão na sua pesquisa.”
Isto realmente se consumiu.
Lembro-me de um texto do Antunes Filho que li em um momento da faculdade, em
que ele falava que o que atrapalha o ator a ser orgânico e passar uma verdade
na cena são a ansiedade e o medo do que possa acontecer de imprevisto na cena.
Ou seja, quando se entra em cena, devemos viver aquele momento como vivemos
nossa vida, e se algum problema vier a surgir, seu corpo irá reagir como uma
picada de algo desconhecido. Devemos nos dar a oportunidade de uma nova
experiência em cena, e não temer ao desconhecido. E sim buscar ferramentas para
superá-lo quando surgir, e não se antecipar a algo que possa não existir.
Entendi então que tinha cumprido
mais que o cronograma, havia tido uma experiência. Assim voltamos para Santo
Antônio, onde tinha programado passar a noite e no próximo dia, acordar cedo e
voltar até o córrego. O que não aconteceu. Uma chuva iniciou ainda à noite e se
estendeu até o final da tarde do outro dia. Quando acordei, sai da casa e
entendi o que aquela chuva queria me dizer desde o primeiro dia: “Por onde eu
passo e toco tudo se transforma, se modifica em diversas formas, cores,
tamanho, peso. Tudo se recria.” O que podemos compreender o que acontece com
nosso corpo quando é tocado de alguma forma pela água.
Assim regresso a Goiânia e programo outro
momento para prosseguir com minha pesquisa. Agora meu destino seria ir para um
lago. Esta nova experiência acontece uma semana após a primeira.
Nesta experiência, dois amigos também
me acompanharam Hyure Eufrásio e novamente Taiom Tawera. Desta vez, evitei
cronograma, mas tinha em mente tudo o que deveria ser feito. A primeira
experiência me ensinou a estar aberto ao acontecimento, ao que o momento, o
tempo e lugar nos reserva. Superar a ansiedade, é o primeiro passo para que a
arte brote no corpo. Foi com este pensamento que iniciei este trabalho e pude
ter uma das mais belas experiências artísticas. Realmente a natureza, esteve
pronta a me receber e transformar meu corpo.
Senti quase que imediato, um novo corpo se potencializando.
Seguimos novamente para Santo
Antônio, só que agora o destino era antes da entrada principal da cidade. Optei
desta vez por trabalhar com água mais parada, por desejar sentir o ventre da
mãe. Mas confesso que temia que sua energia pudesse estar um pouco
cristalizada, pelo fato de pouco movimento.
Iniciei esta etapa, saindo de carro
de Goiânia com meu amigo Hyure e indo para Santo Antõnio, onde pegaríamos o
Taiom. No caminho procurei ficar mais em silêncio e ouvindo músicas
instrumentais, para acalmar minhas ansiedades. Chegando próximos a estrada de
chão que dava no lago, deixamos o carro estacionado próximo a rodovia e
seguimos mais uma vez por um percurso de chão. Estava descalço, para começar
absorver e trocar a energia com a mãe Terra. Para nossa surpresa mais uma vez,
o céu começou a se fechar, nuvens movimentavam-se rapidamente, o céu que estava
azul, começou a acinzentar-se e lá estava a chuva, quase que por cair. Um forte
vento tomou conta do lugar, e ao chegarmos ao lago, a imagem que vi foi
surpreendente. O vento estava tão forte, que batendo na água formava pequenas
ondas, que parecia um mar. Logo tirei novamente a maior parte de minhas roupas,
pedi licença para adentrar naquele lugar e iniciei meu trabalho. Comecei por
cavar com uma enxada, um buraco que seria utilizado posterior a preparação
corporal, como proposta de ser o ventre da terra, de onde eu nasceria na
performance. Que em mente já era uma imagem a ser experimentada. Preferi cavá-lo
próximo as margens, para aproveitar a água para enchê-lo. Este trabalho foi bem
difícil. O peso da água era tamanho, e exigia muito dos meus braços e punhos.
Comecei cavando bem devagar, acreditando que seria bem fácil, mas passando o
tempo com a repetição daqueles movimentos, percebi que não seria tão fácil.
Então comecei a acelerar para tentar adiantar meu tempo. Assim fui me
exaurindo, minha respiração estava acelerada e meu pulso também, após
aproximadamente uns quinze minutos, o buraco estava cavado. Lancei enxada para
beira do lago e logo adentrei na água. Que delícia, estava morna e meu corpo
parecia agradecer por estar ali. Rapidamente o senti relaxar-se. Sentei-me na
beirada do lago, e comecei a apreciar aquele momento, aquela água que batia no
meu corpo, as ondas que o vento reverberava na água, a paisagem composta de
algumas pedras em volta e muitas árvores, de várias formas e tamanho. Comecei a
atentar-me a minha respiração, e cada vez que minha mente era ocupada por
alguma ansiedade, eu respirava e mergulhava minha cabeça na água, soltando todo
ar. Ao me levantar, respirava em dez segundos, prendia dez e soltava em dez.
Assim minhas ansiedades foram se calando
e o que eu ouvia era a voz da água, do vento, dos pássaros, eu me sentia em
profunda concentração e preparado para iniciar meu trabalho. Ali encontrara uma
ressonância, minha frequência estava em equilíbrio com a daqueles elementos que
a natureza me propunha. Me sentia parte daquele lugar.
Comecei então, a olhar à minha volta
e a registrar as imagens que me rodeava. Fixava meu olhar cinco segundos para
cada ponto, fechava os olhos e em cinco segundos reproduzia a imagem na minha
memória. Abria os olhos repetindo este exercício, por várias vezes. Fiz este
exercício pela primeira numa oficina ministrada por João Fernando Cabral. Virei
meu corpo, para os quatro cantos. Para possibilitar uma visão periférica das
imagens a minha volta, além de sentir a água me tocar.
Então comecei a trabalhar com um
mantra das vogais, e a medida que ia pronunciando, deixava que a vogal
pronunciada reverberasse em meu corpo um movimento. Assim segui numa harmonia e
equilíbrio total com aquela água, com aquele belo lugar. Após ficar algum tempo
pronunciando as vogais, criei um mantra com a palavra mãe, assim fui pronunciando
e meu corpo foi ganhando uma nova forma, novos movimentos, ele relaxou-se e se acolheu,
me senti leve, contínuo. Em seguida pronunciei a palavra pai, criando também um
mantra, o que aconteceu de imediato foi uma nova postura corporal, meu corpo estava
pesado, contraiu-se completamente, uma enorme tensão se entendeu por cada
músculo, por cada membro.
Então fui deixando de pronunciar o
mantra e comecei a deitar-me na água e relaxar-me. Levei comigo imagens de
fetos e uma fotografia do casamento da minha mãe e do meu pai, onde os dois
estavam vestidos de noivos e de mãos dadas. Peguei estas imagens e levei para
dentro do lago. Pus-me durante bastante tempo a observá-la. Experimentando a
proposta de Masaru, quando diz que a água reage a imagens, fotografias, sons e
outros. Ali meu corpo sendo água e estando dentro da água, iriam vibrar e
reverberar algo no meu corpo. Assim se confirmou esta proposta. Fixei meu olhar
primeiro para os fetos, depois para meus pais. Uma forte emoção tomou conta de
mim, um compulsivo choro brotou do meu amago, não conseguia entender o que
acontecia e nem busquei entender, abri-me para aquele instante, deixei meu
corpo agir por si, percebia cada detalhe. Percebia na foto dos meus pais, o
detalhe de suas bocas, narizes, olhares, suas mãos, cabelo, identifiquei neste
momento minha aparência física com a do meu pai, e minha essência, meus
sentimentos, identifiquei ao olhar para os olhos da minha mãe, me vi lá dentro.
Não consigo por em palavras o que senti ali, o choro saia ainda mais forte, a
ponto deu soluçar. O tempo foi passando e fui acalmando. Peguei as imagens,
coloquei os fetos abaixo da fotografia e mergulhei-as na água, ficaram intactas
por um momento, até que foram se degradando. Amassei-as em minhas mãos, fui
fechando meu corpo, e como estava na parte rasa, deitei-me e levei meu corpo a
se transformar em feto. Neste momento o vento que soprava sobre as águas
acalmou-se, e uma grande tranquilidade tomou aquele lugar como que uma mágica.
Dali para frente tinha em mente iniciar a criação da minha performance, com
tudo que havia experienciado desde que ali cheguei. Na posição fetal, meu corpo
reverberava as imagens dos fetos que observei, e com o suave mexer das águas,
meu corpo movimentava como se estivesse no ventre, a água era a placenta, ali
com os olhos fechados, deixava a água pulsar e meu ser, só meu rosto permanecia
fora da água. Escutei incrivelmente meu coração bater debaixo da água, parecia
sentir o coração da Terra, da água, tudo estava em sintonia e eu era uma semente
dela sendo germinada. Meu corpo foi mudando de formas por vários momentos, a
água o conduzia. Meu corpo estava leve, descontraído, pequenos impulsos
internos brotavam e minha respiração começou meio que acelerar, meu corpo
parecia que não cabia mais naquela forma e espaço. Era hora de nascer. Meu
corpo começou a se colocar para fora da água, meio que me senti engasgado, e
quando meus olhos tentaram se abrir, a claridade era tamanha, e ofuscou meus
olhos. De repente um som vem vindo da minha respiração, que parecia curta, para
na garganta, os pulmões parecem pequenos e muito contraídos, sai então um choro
para mim desconhecido. Um novo registro vocal surge, me emociono, pois me vi
nascendo do ventre de minha mãe. O primeiro passo da minha proposta cênica
surgia naquele momento. Deixei meu corpo ir crescendo e se adaptando naquele
espaço. Aproveitei que meus pés neste momento estavam numa parte lamenta do
lago, e o prendia, usando isso ao meu favor. Criei uma dificuldade para andar e
me mover, que seria os primeiros passos de uma criança. Fui conduzindo neste
instante meu corpo a resgatar os movimentos que experimentei quando entoava os
mantras das vogais. As vogais assumiram um papel de percurso, de caminhos que o
corpo assume no dia a dia. Deste momento em diante intercalei movimentos que
reverberaram em mim quando pronunciei o mantra com a palavra mãe e pai,
tentando resgatar a energia de quando os observei na foto. Quando dei por mim,
a performance estava criada. Depois do último movimento, encerro com uma imagem
das minhas mãos, colocadas uma sobre a outra, como estava as mãos dos meus pais
na fotografia. Ali então identifiquei uma poética, que nascia da mãe Terra, da
mãe Água e era entregue aos meus Pais.
Então após concluir este momento, me
despi completamente e voltei a posição fetal, onde iniciei uma nova passagem do
que havia construído para fixar. Já quase no final fui interrompido pelos meus
companheiros, que me avisaram que muitas vacas se aproximavam do lago para
beber água. Terminei então meu trabalho neste momento. Respeitando os moradores
que ali habitavam e agradecendo aquele lugar por cada segundo que dialogou
comigo. Sai completamente realizado por esta grande e indescritível
experiência.
Figura 17
Figura 18
Figura 19
Figura 20
Figura 21
Figura 22
Figura 23
Figura 24
Figura
25
Figuras 17, 18, 19, 20,
21, 22, 23, 24 e 25 são registros da experiência que tive num lago, onde
experimentei os exercícios descritos neste capítulo. Neste momento surge a
performance “minha Mãe, meus Pais”, na qual
aproveitei estes registros para resgatar algumas imagens corporais. Este
lago se localiza próximo a entrada principal da cidade de Santo Antônio Goiás.
CONCLUSÃO
Somos um pedaço de tudo..... de todos... Lá está uma parte,
apenas uma parte, pedindo para que seja vista.... ela derrama lágrimas, na face
de um mundo reconstruido e não respeitado. Descuidado, esquecido... A máscara
mal reproduzido da Terra, cai e desaba, mostrando que a essência é fonte da
vida.... combustível imprescendivel para funionamento do corpo... mente e
espirito.... ou simplesmente do corpo, da mente ou do espírito?
Tudo parte
de um desejo intuitivo.... até que o consumo deste, confirma que é uma boa
experiência pessoal, artística e acadêmica. Abre-se o pensamento de que a
experiênica em vida se torna passo inicial de nossas criações, sejam elas quais
forem.
Sempre me
incomodei com coisas em qualquer meio, que tentasse de alguma forma enquadrar
meus pensamentos, por isso aprendi a respeitar para que fosse respeitado.
Concluo
agora, mais uma etapa da minha vida, que muito me trouxe... de bom, que muito
me ensinou. No percurso alguns descontentamentos, mas sempre a força e confiança
em mim foi essencial para a auto superação. Descobri e aprendi a não julgar as
coisas e as pessoas, tendo em vista apenas um lado apresentado. Tudo é
múltiplo, e devemos nos abrir para esta multiplicidade. A vida e a arte não são
vias de mão única, por mais que alguns tentem as apresentar como tal. Vida e a
arte não se limita, não cabe a nós quere limitá-la para suprir nossas
pretensões.
Consegui ter
uma experiência quase que inexplicável. Com certeza o que pode transformar o ser e o artista, não seja o que consegui
apresentar em cada limitada linha, mais o caminho que de alguma forma
explicitei, poderá ser porta de experiências infinitas. A arte como a vida, vale pela experiênica, sentir e viver a vida é
construir nossa arte. O que parece ser apenas um desejo pessoal, pode tomar
consistência e dar rumos tempos seguintes a uma grande e importante experiência
para si e para todos a sua volta.
Não há
caminho que não se aprenda. Muito temi a tudo que acreditava, e aqui consegui
unir desejo, experiência e ciência. Quanto mais conhecimentos conseguirmos
criar uma unidade, mais suprida será nossa existência!
“A vida não é de
se brincar, pois um belo dia se morre...” (Clarice Linspector)
Referências
BAIOCCHI, Maura. Butoh-Dança
Veredas D'Alma. São Paulo:Palas Athena, 1995
BAIOCCHI, Maura; PANNEK, Wolfgang. Taanteatro-
Teatro Coreográfico de Tensões. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar:Ética do humano-compaixão pela terra.
Rio de Janeiro: Vozes,1999
BONDÌA, Jorge Larrosa. Notas
sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de
Educação, nº19. Campinas: Autores Associados, 2002
COHEN, Renato.
Performance como Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2007
CYPRIANO, Fabio. Pina
Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
EMOTO, Masaru. O verdadeiro Poder da Água. São Paulo: São Paulo:
Cultrix, 2007
MEDEIROS, Maria Beatriz de; MONTEIRO, Mariana F. M.; MATSUMOTO, Roberta
K. (org). Tempo e Performance. Programa de Pós Graduação em Arte-UNB,
Brasília: Capes, 2007
SOUZA, de João Roberto. A Dança
Butoh. Publicado no jornal Dança Brasil. Disponível em: <http://www.butoh.com.br/taxon/dancabutoh.html>- Acessado em: 12/06/2010
[1] Performance que tinha como foco, as partidas que convivemos em nossas
vidas, com a proposta de que não devemos encarar nossas partidas e perdas como
um fim e com tristeza, mas com alegria por ter a certeza que dali pra frente,
será início de um novo caminho e de novas experiências.
[2] “Classificam-se como musculaturas
elementos bastante heterogêneos, desde um objeto de cena até o absoluto, tendo
todos em comum a relação com a cena e o mundo do performer, e o fato de
formarem uma noção de corpo ampliada, expandida... A descrição da pentamusculatura se divide em: “Aparente ou a aparência
é tudo o que se encontra na superfície do corpo: pele, cabelos, unhas; Interna
ou as estruturas situadas imediatamente após a pele são os músculos, ligamentos
e tendões, todos os órgãos que compõem os sistemas respiratório, circulatório,
nervoso, reprodutor, digestivo, excretor, e endócrino; Transparente ou a psique
e suas funções e capacidades comportamentais são pensamento, imaginação,
memória, intuição, razão, sonhos, abrangendo conceitos como alma, espírito e
ego; Absoluta ou 'Absoluto' é energia sem forma e sem modo, geradora e
destruidora de tudo que existe. Impossível de ser explicada pelo pensamento
lógico e tradicionalmente conhecida por
diversos apelidos e máscaras como: Nada, Vazio, Essência Última, Consciência
Superior, Eu Supremo, Centro, Príncipe Supremo, O Inominável, A
Transconsciência, O Incondicionado, Brahma dos hindus, Darmakaya dos budistas,
Deus ou Amor para a tradição cristã etc; [...] Estrangeira ou o environment é o
que começa com as partículas do ar, logo em seguida à epiderme. É tudo que nos
rodeia: o ar, a natureza, as outras pessoas, os objetos animados e inanimados.
Em suma, o meio-ambiente, as circunstâncias da vida. Exemplos de musculatura
estrangeira bem próximos do universo do performer são diretor, o cenário, a
luz, o figurino, sendo que este último é também musculatura aparente quando
vestido pois passa a ter função de segunda pele.” (BAIOCCHI E
PANNEK,2007,p.63-65)